A casa da Patrícia, com certeza

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O projecto de Patrícia Valinho despertou o interesse da indústria e há já 85 empresas envolvidas

Patrícia Valinho está a construir um edifício só com produtos de origem portuguesa. O projecto de turismo rural na aldeia do xisto de Ferraria de S. João prova que sim, é possível ter uma casa pelo menos 99% fabricada em Portugal

Uma mulher de botas de borracha e robe amarelo sobe a rua com uma cafeteira de plástico cheia de leite. É perseguida por dois cães e caminha devagar. "A casa da Patrícia? É já ali, virando à esquerda." A casa da Patrícia na aldeia de Ferraria de S. João é Uma Casa Portuguesa, um projecto que nasceu de muitas saudades do país quando Patrícia Valinho, 34 anos, trabalhou em Londres ao serviço da tecnológica YDreams e sentiu falta da fruta, dos legumes, do leite e dos produtos portugueses.

A casa da Patrícia é conhecida por todos nesta aldeia do xisto do concelho de Penela e está em obras. Do cimento às loiças sanitárias, dos armários de cozinha, ao chão, tudo é português.

"Há poucas coisas que não são portuguesas, como as lâmpadas. Mas a Is Green está a produzir e assim que estiverem prontas também serão instaladas lâmpadas nacionais. Os espelhos são transformados em Portugal mas cá não se fabricam. Tal como a matéria-prima do vidro, que vem de fora", vai dizendo.

Por questões de certificação, o material de canalização de gás no interior da casa não é nacional. Mas tudo o resto, dos electrodomésticos ao lavatório, tem o carimbo de empresas locais. Quando abrir portas este Verão, a casa estará equipada com móveis e atoalhados portugueses.

"Quando estive em Londres em 2006, apercebi-me do potencial dos nossos produtos. Não lhes damos a roupagem e o marketing certos. Um ano depois regressei e pensei em recuperar uma casa em ruínas, que tinha comprado para passar férias, recorrendo apenas a produtos portugueses", conta.

Fez uma lista de empresas que conhecia, pesquisou associações empresariais, consultou as Páginas Amarelas e pegou no telefone. As primeiras a surgir na lista foram a Italbox (cabines para banheiras), a Fapil (produtos de utilidade doméstica) e a AGC (ferragens e materiais de construção civil). "Quando ligava, a minha primeira pergunta era: "Os vossos produtos são feitos em Portugal?" Se sim, pedia para falar com a gerência", recorda.

As reacções foram positivas. Construir uma casa recorrendo ao mercado interno despertou o interesse da indústria, que não só respondeu ao desafio como se mostrou interessada em estabelecer parcerias, cedendo gratuitamente material. Para já, há 85 empresas envolvidas.

A simples recuperação transformou-se num projecto de turismo rural e de divulgação de produtos nacionais. De portas abertas, a casa vai aproximar os visitantes das marcas, mostrando o que de melhor se faz no país. "Para provar que fazemos e produzimos com alta qualidade. E, sim, é possível ter uma casa totalmente portuguesa", sublinha.

Patrícia também não quer esquecer as raízes culturais da região onde está inserida. O pequeno-almoço será feito por uma pessoa da aldeia, com produtos locais, e entregue diariamente aos hóspedes.

"A maior parte dos espaços de alojamento local não se preocupam com o desenvolvimento da população. Nós queremos mostrar o que aqui se faz e dar oportunidade aos habitantes locais de venderem os seus produtos. Mas será o produtor do queijo, por exemplo, a ditar o preço. O meu negócio é o alojamento", descreve.

Para pôr de pé o edifício, Patrícia recorreu à banca e já investiu cerca de 130 mil euros na recuperação. Por seu lado, as empresas parceiras terão dado perto de 70 mil euros em material. Em troca, além da divulgação do produto dentro da própria casa, têm direito a noites de alojamento, consoante o nível de apoio prestado.

Os visitantes vão experimentar e conhecer pelas próprias mãos as marcas e os produtos feitos em fábricas nacionais, por trabalhadores portugueses. Dentro da casa, haverá mesmo uma "miniexposição" onde se mostra quem fez o quê.

"O percurso desta exposição será trabalhado em conjunto com universidades na área da museologia ou do design de espaços. O maior desafio é mostrar o material que não se vê, como a cortiça, os tubos ou os tijolos."

Além disso, a unidade de alojamento é um pretexto para juntar jovens artistas e indústria. "A ideia é criar uma simbiose com o talento nacional. Neste momento está a decorrer um concurso de design de mobiliário em parceria com a Antarte para criar peças para o interior da habitação", adianta Patrícia. Os candidatos têm de desenhar toda a mobília de sala e o vencedor verá os seus protótipos produzidos pela Antarte e ganha uma semana de férias na Uma Casa Portuguesa.

O edifício ainda em construção tem paredes de xisto e calcário, que se combinam com linhas rectas e modernas, janelas amplas com vista para o campo e uma pequena piscina. É suficientemente grande para receber seis pessoas e Patrícia Valinho acredita que vai superar a taxa média de ocupação das unidades de turismo em espaço rural, que ronda os 15% em Portugal. Está a pensar nos turistas estrangeiros, que procuram espaços diferentes, ligados à cultura local. E nos portugueses que queiram descobrir os "recursos endógenos do território".

Quando as obras terminarem - duram desde Outubro de 2010 -, vai convidar a aldeia inteira para a festa de inauguração. "O barulho não os tem deixado descansar", sublinha.

Patrícia também não terá descanso nos próximos tempos. Além de coordenar o departamento de inovação e conhecimento da Critical Software, empresa tecnológica de Coimbra que acaba de abrir escritório em Singapura, tem planos para transformar a sua casa portuguesa numa rede de franchising. "Quando comecei a divulgar o projecto, recebi muitos contactos de pessoas interessadas em fazer o mesmo. Ou porque tinham uma casa para recuperar ou um terreno. A diversidade cultural em Portugal é brutal e este é um projecto que faz todo o sentido."

Cada alojamento vai reflectir as características da arquitectura local e usará os materiais das empresas parceiras. A intenção é avançar com a rede entre seis meses a um ano depois de aberta a primeira unidade. Patrícia quer testar o conceito, perceber qual será a taxa média de ocupação e, depois, avançar com passos seguros para a sua expansão, 99% made in Portugal.

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