Ter um filho em época de crise

Lamento que o sítio onde muitos nascemos seja possivelmente convertido num empreendimento de luxo. Será este afinal o verdadeiro argumento da direita? Capital, capital, capital

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TrevorBair/Flickr

As estatísticas há muito nos mostram que a natalidade portuguesa vai de mal a pior, pois poucos se atrevem a ter uma criança, num país tão explicitamente em crise.

O anunciado fecho da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), alvo de polémica e conturbada rejeição por parte da comunidade, quer-nos fazer crer que temos demasiados meios obstétricos e poucos partos, logo, que não faz sentido manter aquele serviço aberto.

Na realidade, o fecho daquele edifício representa para várias gerações a destruição de um símbolo de segurança médica gratuita e de continuidade familiar, o que sendo um Governo de direita a tomar esta decisão nos custa bastante entender.

Também eu, como muitos lisboetas, vim ao mundo na MAC. Sobre o serviço, não me posso pronunciar, já se sabe que a memória é nula em tão tenra idade. Mas acredito no testemunho materno, que me garante a qualidade dos médicos e técnicos da MAC, nos longínquos anos 70 do século passado.

Encerra-se a maternidade e a história recente do maior ninho lisboeta de todos os tempos. Não posso se não lamentar que o sítio onde muitos nascemos seja possivelmente convertido num empreendimento de luxo. Será este afinal o verdadeiro argumento da direita? Capital, capital, capital. "Again". E não me refiro à cidade de Lisboa, mas ao disputado metal.

Ser mãe em época de crise é tão emocionante como em qualquer outra altura. Também não sei o que é sê-lo noutros tempos. Arrasta certamente os mesmos medos (e mais uns quantos) porque não sabemos o que o futuro nos reserva e queremos reservar o melhor do futuro para as nossas crias. Só posso falar da natureza deste acto maior, milagre disponível ao ser humano, que nenhum encerramento poderá impedir enquanto houver sexo e/ou amor. Por isso, com ou sem crise, procriemos.

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