Estão a chover Gollums

Um filme de género divertido, despachado, inventivo que mete no chinelo a concorrência americana

“Estão a chover Gollums!” Fica assim resumida a atitude reguila e irreverente da primeira longa do actor e argumentista britânico Joe Cornish, que põe meia-dúzia de putos mitras do Sul de Londres que cresceram com a Playstation e os DVD a combater uma invasão extra-terrestre no seu prédio de apartamentos sociais. Tom Waits dizia que fechava duas canções dentro de um quarto e deixava-as procriar; Cornish faz a mesma coisa com o filme de género, fechando na inner city londrina a invasão alienígena, o humor inglês (do Sul) e uma pitada q. b. de realismo social britânico, sem que nunca nada pareça metido a martelo nem forçado.


Assim, as perseguições dos “macacos-lobos-gorilas ou o raio que são” aos mitras são entrecortadas por diálogos charrados de dois traficantes de droga que não estão bem a ver o que se passa e por dois mini-mitras que querem parecer maiores do que são com pistolas de brincar. E, como o cinema inglês é sempre sobre a luta de classes, Cornish não deixa de sugerir, meio a brincar, que estes mitras que moram em apartamentos da câmara são putos de classe média-baixa deixados à solta, não tanto criminosos como vítimas de um sistema avariado - e a ideia de que uma invasão alienígena pode ser a ocasião de uma redenção não é assim tão descabida como isso, ganha pela elegância com que é sugerida sem que nunca pareça abusiva. Daqui sai um filme de género que dá a volta às coordenadas de modo criativo, divertido sem ser idiota, despachado (não chega à hora e meia) sem ser vazio e inventivo sem precisar de reinventar a roda, significativamente mais conseguido do que a maior parte dos pretensos blockbusters que os estúdios americanos nos querem vender com grandes investimentos de marketing.

O problema, depois, é a displicência paredes meias com a condescendência de uma distribuidora que cai no ridículo de traduzir Attack the Block por ETs in da Bairro e que espera quase um ano para o estrear. Fosse Attack the Block uma produção americana e tinha chegado às salas no ano passado com a passadeira vermelha desenrolada; como não é, torna-se no exemplo do absurdo em que se tornou a distribuição portuguesa, incapaz de abrir espaço para filmes que saiam fora do baralho e não encaixem num caderno de encargos que já chega feito lá de fora. Attack the Block não encaixa e ainda bem.

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