Jovens ficam menos deprimidos com o desemprego

Em Portugal, há mais de 217 mil pessoas com menos de 34 anos desempregadas. Uma geração deprimida? Não tanto como seria expectável. Estão a emergir novas formas de socialização

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Vai-se o emprego e com ele a energia, a vontade de sair à rua, de levantar de manhã. Chega a ansiedade, a baixa auto-estima, depois a depressão. Esta é uma história mil vezes contada. O desemprego propicia estados depressivos? Sim, garantem em uníssono especialistas. Mas então, como vivem os mais de 217 mil jovens portugueses com menos de 34 anos que não têm emprego?

A depressão relacionada com a perda de emprego (ou incapacidade para o conseguir) “não acontece tanto nesta geração”, avalia o docente da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, Joaquim Luís Coimbra. “É mais frequente nos desempregados seniores, que foram socializados de outra forma, para outro mundo que também já não existe. As gerações mais velhas têm maior probabilidade de deprimirem.”

Foi a sociedade pós revolução industrial que fez do emprego uma espécie de obrigação moral, quando até aí o trabalho “era feito pelo indignos”. “O trabalho é central na vida das pessoas, é o que queremos saber de alguém depois do nome”, diz Joaquim Luís Coimbra. Agora, a importância do emprego está novamente a sofrer uma alteração e há novas formas de socialização a emergir – pelo menos para a camada mais jovem da sociedade.

Um dia de cada vez

É uma questão de adaptação: as sociedades plenas de emprego terminaram e os jovens são “muito realistas", avalia. "Sabem que a sociedade não lhes dá tantas oportunidades como dava no passado.” Joana Rita Pinheiro, 27 anos, traduz esta ideia na filosofia de vida que adoptou: “Vivo um dia de cada vez. Tenho de ser realista – nunca pensei muito em ter um emprego para a vida e um contrato de trabalho sem termo.”

Foi no final do ano passado que a jovem licenciada em Economia pela Universidade de Coimbra ficou desempregada. Nessa altura entrou num negócio de venda multinível e começou a entregar panfletos em Lisboa. “Na prática estou desempregada”, diz. Aquilo que vai fazendo é “desenrascar” e esperar por melhores dias. Se sente o "efeito desempregada"? “Como não parei propriamente não sinto muito. Sinto falta de dinheiro. Estou sempre a pensar se tenho de regressar a Coimbra ou se posso ficar em Lisboa”, contou ao P3.

Joaquim Luís Coimbra adverte para que não se caia numa desproblematização do tema. No último trimestre de 2011, a taxa de desemprego entre os jovens com menos de 24 anos atingiu os 35,4%, o que corresponde a mais de 156 mil pessoas. E o valor sobe para 217,4 mil se falarmos de jovens até aos 34 anos. O que distingue esta geração é que ela está, de facto, "mais preparada para lidar com o desemprego". As expectativas por eles criadas são mais baixas, logo a queda é menor. No entanto, o estereótipo do desempregado não desapareceu.

São os próprios jovens que o alimentam, lembra o docente: “Quando se pergunta aos jovens empregados porque é que os outros não têm emprego são frequentes respostas como ‘é porque merece’, ‘é porque não investiu’, ‘é porque não é empreendedor’.” A verdade é que a escassez de emprego obriga a que os jovens de hoje sejam “mais flexíveis e criativos”. Eles “distribuem os seus interesses por outras áreas", explica. Mesmo porque, salienta o docente, “se atribuíssem a mesma importância ao emprego que se atribuía noutras gerações estariam numa situação de risco [de doença psicológica] eminente”.

O importante, acredita Joana Pinheiro, é interiorizar que não se pode fazer tudo e aprender a viver com limitações. Exemplos? "Comprar roupa nem pensar. Jantares com amigos tiveram de ser cortados, vou a um ou outro, mas é raro."

Mais formação

Outro mecanismo é aquele a que Joaquim Luís Coimbra chama um “salto para a frente” – o investimento em mais formação, uma forma de conseguir novas ferramentas de trabalho e adiar a entrada no mercado de uma geração que já é considerada a mais formada de sempre. Foi essa a opção de Patrícia (nome fictício), que, dois anos depois de ter terminado o curso de Arquitectura na Universidade de Coimbra, decidiu investir num outro curso, com duração de um ano, no Porto.

A jovem de 28 anos lamenta as expectativas que foi criando na Universidade – “Quando saí percebi que era tudo diferente, tinha ideia de que ia fazer grandes coisas quando acabasse o curso. E os meus colegas também.” Foi já no mercado de trabalho que percebeu que ter um emprego – mesmo que não fosse a fazer “grandes coisas” – era já uma conquista.

Quando o contrato de um ano que assinou se aproximava do fim, em Agosto de 2011, Patrícia sabia que a pouca esperança que tinha poderia esvair-se: “Comecei a aperceber-me da situação do país, percebia que era muito complicado.” Não houve lugar para ela, mas a jovem de Coimbra não fez daquilo um drama – “Encarei com naturalidade, pensei que teria oportunidades noutros sítios.”

Patrícia admite que a descontracção com que encara o assunto só é possível porque tem uma estrutura familiar que a ajuda. Depois de ter saído de casa dos pais durante o ano em que trabalhou em arquitectura nas Caldas da Rainha viu-se obrigada a regressar. Um retrocesso que não foi simples: “Gostaria de ter casa, poder convidar os amigos para irem lá, ter mais autonomia, isso é óbvio”, contou.

O docente da Universidade do Porto chama a atenção para uma realidade que, se as coisas continuarem como estão, deixará de existir nas próximas gerações: “O financiador deste desemprego são, para já, as famílias. Seria uma situação muito mais difícil se não fossem elas.” “Costumamos dizer que o século das luzes inventou a criança, o século XIX a adolescência, o XX o jovem adulto, agora é o adulto emergente.”

Do ponto de vista psicológico, avalia Joaquim Luís Coimbra, "a forma como [os jovens] contornam o problema é positiva". O que está errado é ter-se construído uma geração que "parece não ter lugar no mundo" - "É uma grande irresponsabilidade das lideranças políticas e económicas", lamenta.

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