Testemunha do Freeport diz que perdeu emprego em junta do PS após depor

Uma testemunha afirmou hoje em tribunal que, dias depois de depor como testemunha no julgamento do caso Freeport, no início do mês, perdeu o emprego que tinha na Junta de Freguesia de Marvila que é dominada pelo PS. O presidente da autarquia diz que a funcionária foi dispensada no fim do contrato e nega qualquer relação desse facto com o Freeport.

Mónica Mendes, que trabalhou na empresa de consultoria Smith & Pedro, voltou hoje ao tribunal do Barreiro, onde decorre o julgamento, para precisar declarações feitas durante o inquérito e em anterior sessão de julgamento, há uns dias, segundo as quais ouviu o arguido Manuel Pedro dizer ao engenheiro João Cabral ter pago 500 mil contos ao então ministro do Ambiente, José Sócrates, para conseguir a aprovação do outlet Freeport em Alcochete.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, Belarmino Silva, acusa a funcionária de estar a mentir e garante que Mónica Mendes estava afecta a um programa da Câmara de Lisboa, que terminava no final de Fevereiro.

"Foi pedido à Câmara que prolongasse por mais um mês esse projecto. O contrato dela terminava no final de Março", adiantou o autarca, garantindo que não conhece nenhum dos envolvidos no caso Freeport. "O que sei sobre esse caso é o que vem nos jornais. Nunca sequer conheci o Eng. José Sócrates", insiste Belarmino Silva.

A testemunha relatou ao colectivo de juízes que na segunda-feira seguinte a ter prestado declarações no julgamento do caso Freeport quando chegou ao emprego foi “mandada para casa” pelo presidente da Junta de Freguesia de Marvila, que é do PS.

Tudo isto, disse, depois de anteriormente lhe terem dito que gostavam do seu serviço e que pretendiam renovar a sua prestação de serviços.

Mónica Mendes reiterou hoje que ouviu Manuel Pedro comentar com João Cabral, engenheiro da Smith & Pedro, que tinha pago 500 mil contos a José Sócrates para viabilizar o projecto.

A testemunha garantiu que sempre disse a verdade nas inquirições feitas pela Polícia Judiciária e pelos procuradores, bem como em sede de julgamento, mas admitiu ter tido medo de represálias, tanto mais que durante as investigações o tubo da gasolina do seu carro apareceu cortado e o sótão da sua casa foi assaltado, para lhe roubarem apenas disquetes e diários, que afinal não eram seus, mas da sua filha.

Questionada por Paula Lourenço, advogada dos dois únicos arguidos, Mónica Mendes admitiu também que conhece o antigo dirigente do CDS-PP Zeferino Boal, que surgiu envolvido nas denúncias contra José Sócrates, dizendo mesmo que Boal “é seu vizinho”.

Face às declarações de Mónica Mendes relativas às alegadas conversas entre Manuel Pedro e João Cabral sobre pagamentos a Sócrates, o tribunal, a pedido de Paula Lourenço, decidiu fazer uma acareação entre as duas testemunhas, mas deste confronto de versões pouco resultou, com o engenheiro civil a dizer não se lembrar de tais conversas e a dizer que caso tenha acontecido não lhes dava valor por se tratar de “conversas de café”, de que não havia quaisquer provas.

Apesar de não se recordar de tal conversa acerca de subornos com Manuel Pedro, João Cabral desabafou que o arguido “sempre teve o defeito de falar de mais” e que “não dava importância” a tudo o que era dito.

No período da manhã, João Cabral chegou a dizer em tribunal que “sobre nomes não fala”, ao que foi advertido pelo presidente do colectivo de juízes de que, na qualidade de testemunha, não pode ocultar factos e tem que falar verdade. A seguir, optou por dizer não se recordar de alguns factos porque já passou mais de uma década.

O tribunal voltou hoje a ouvir também Fernanda Guerreiro, que trabalhou na Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território (DRAOT) e que que, num jantar em Alcochete, apresentou a sua amiga Mónica Mendes a Manuel Pedro.

A testemunha confirmou também que ouviu Manuel Pedro dizer que tinha pago 500 mil contos a Sócrates e de se gabar de ser amigo do então ministro do Ambiente.

Paula Lourenço confrontou Fernanda Guerreiro com supostas contradições entre as várias declarações que fez ao longo do processo, ao que esta rebateu que não havia grandes diferenças.“Senti-me pressionada em todos os momentos”, desabafou a testemunha, revelando ainda que, por causa do que disse na investigação do caso Freeport, lhe moveram um processo, na qual foi constituída arguida.

Durante a tarde, João Cabral voltou a ser inquirido, tendo dito que o advogado José Gandarez, que avançou com a proposta de dois milhões de libras como contrapartida para a aprovação do projecto Freeport, era “genro de um ministro”, que jurou não saber exactamente qual.

A testemunha, que trabalhou para a Smith & Pedro e integra agora os quadros da Freeport, disse ainda ter a ideia que foi a Câmara Municipal de Alcochete, sob a presidência de José Inocêncio (PS), a propor a contratação dos serviços do atelier de arquitectos Capinha Lopes, dizendo ser voz corrente que este atelier tinha ligações e conhecimentos no então Ministério do Ambiente liderado por Sócrates.

Chegou mesmo a admitir que assessores da autarquia de Alcochete aconselhavam a contratação de Capinha Lopes se os ingleses quisessem ver os projectos parcelares aprovados.

O processo Freeport teve na sua origem suspeitas de corrupção e tráfico de influências na alteração à Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo e licenciamento do espaço comercial em Alcochete quando era ministro do Ambiente José Sócrates, que veio mais tarde a ser primeiro-ministro.

Os dois arguidos - Charles Smith e Manuel Pedro - respondem por tentativa de extorsão. Com PÚBLICO

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