Porto Editora compra chancela e todo o catálogo da Assírio & Alvim

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Vasco Teixeira referiu um catálogo ímpar PÚBLICO/arquivo

Manuel Rosa passará a ser colaborador externo da Assírio & Alvim, cuja chancela foi agora adquirida pelo Grupo Porto Editora, que assegurará a produção editorial e a distribuição do catálogo. O primeiro livro é lançado no dia 24.

A chancela Assírio & Alvim foi formalmente adquirida pelo Grupo Porto Editora na segunda-feira. Em Agosto, o Grupo Porto Editora e a editora de Manuel Rosa estabeleceram um acordo na área da distribuição que acabou por evoluir, em Outubro, para um protocolo que passava a envolver uma parceria editorial.

Manuel Rosa, o anterior accionista maioritário da Assírio & Alvim, fundada em 1972, assumirá o papel de colaborador externo, propondo obras para edição. Rosa já lançou, entretanto, uma chancela própria, a Documenta, para edição de livros de arte.

Com este negócio chega a fim a etapa que começou na primeira metade dos anos 80, quando Hermínio Monteiro assumiu a direcção da Assírio e transformou uma editora à beira da falência numa das mais prestigiadas chancelas nacionais, apostando na poesia, com autores já consagrados, como Mário Cesariny e Herberto Helder, mas também revelando muitos novos poetas.

Mais do que uma editora, a Assírio foi durante anos uma espécie de comunidade, uma casa de amigos, e só esse relacionamento muito particular com os autores (diz-se que alguém da editora ia todos os dias a casa de Cesariny levar-lhe o almoço) permitiu, por exemplo, que um Hermínio já doente - morreria de cancro em Junho de 2001 - tivesse podido concretizar, num prazo irrisório, o desmesurado projecto que resultou na "Rosa do Mundo", uma gigantesca recolha da melhor poesia mundial de todos os tempos, lançada por ocasião da Porto 2001.

Confrontada com os difíceis problemas que hoje se colocam às editoras independentes de média dimensão - a rotação frenética dos títulos nas livrarias, as fragilidades da distribuição, a decadência da rede livreira tradicional e os prazos de pagamento cada vez mais dilatados - a Assírio não conseguiu sobreviver à crise económica e veio agora juntar-se às muitas chancelas que, nos últimos anos, foram absorvidas pelo movimento de concentração que o sector está a viver.

Um negócio sentimental

Vasco Teixeira, administrador e director editorial do Grupo Porto Editora, não revela o volume do negócio: "Essa não é a parte importante. É evidente que teve de envolver dinheiro, mas se fosse pelos lucros potenciais, o negócio não se tinha concretizado de certeza." O que motivou o negócio, diz, foi a qualidade da chancela e das obras. Mas admite que houve também "um lado sentimental", já que conheceu bem Hermínio Monteiro, com quem colaborou na direcção da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros(APEL). "Era um colega que eu prezava muito e com quem tinha uma relação próxima."

Na futura Assírio, Vasco David, que até agora assegurava a coordenação e o acompanhamento das obras, continuará a exercer as mesmas funções, mas integrado na Divisão Literária da Porto Editora, dirigida por Manuel Alberto Valente, que também assume a direcção editorial da nova chancela. Valente terá ainda a colaboração de Manuel Rosa na área gráfica e em algumas áreas editoriais. "A base de trabalho", explica, "será feita sob proposta de Manuel Rosa".

A produção e a distribuição de todo o catálogo da Assírio & Alvim (com mais de mil títulos publicados) são agora asseguradas pela Porto Editora. É o desenlace de um longo processo negocial. "Houve uma fase exploratória, no início de Setembro, em que se assumiu a distribuição, e outra para definir em detalhe a parceria", diz Vasco Teixeira, precisando que a aquisição engloba o catálogo e a chancela, mas não a totalidade da empresa.

O objectivo é "permitir uma vida financeiramente saudável à Assírio & Alvim, não descaracterizando a sua personalidade e dando continuidade ao trabalho que vinha sendo feito nas áreas mais importantes". Admite que alguns sectores do catálogo poderão ter "pequenas evoluções" e espera conseguir trazer "algo de novo e refrescante", tentar traçar um caminho para o futuro. Ilustrando os desafios que se prepara para enfrentar, nota que ninguém sabe, por exemplo, "como se comportará a poesia no mundo digital".Como é que é a Assírio & Alvim no mundo digital? "Não lhe sei dizer, vamos conversar e pensar sobre isso.”

Para já, será dada prioridade à publicação de "grandes autores portugueses", com destaque para Fernando Pessoa, à poesia e aos clássicos da literatura mundial. Além de Fernando Pessoa fazem parte do catálogo da Assírio & Alvim, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, Ruy Belo, Mário Cesariny, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Gabriela Llansol. E Valente adianta que irá manter-se intocada a actual linha gráfica.

Este ano está prevista a saída de quatro livros inéditos, com textos que até hoje não estavam publicados, coordenados por Ana Maria Freitas, Fernando Cabral Martins, Richard Zenith e Manuela Parreira da Silva. Também publicaremos o volume inédito dos diários do Al Berto preparado pela Golgona Anghel”, conta o director editorial da Assírio & Alvim.
Continuarão a publicação das obras completas de Fernando Assis Pacheco, com a ida para as livrarias de “Trabalhos e Paixões de Benito Prada” (que saiu na Asa há muitos anos).”

Quanto a poesia, explica Manuel Alberto Valente, haverá ainda livros novos de Daniel Faria, Armando Silva Carvalho, José Tolentino Mendonça e Jorge Sousa Braga. “Em relação ao Herberto Helder não está prevista nenhuma obra nova porque ela não existe. Evidentemente que quando existir, será publicada.”

Na área dos grandes autores universais editarão o segundo volume de “Os Contos” de Kafka e “Contos de S. Petersburgo” de Gogol. “A par destas novidades está a ser feito um trabalho de reedição de obras que estavam esgotadas no catálogo da Assírio & Alvim”, acrescenta. Serão reeditados dois livros de Al Berto que estavam esgotados – “O Anjo Mudo” e “Lunário” - ; o romance de Manuel António Pina, “Os Papéis de K”, e ainda dois livros do pedopsiquiatria Pedro Strecht. E manterão a colecção Assirinha e Assirinha Azul.

Os dois primeiros livros da Assírio & Alvim nesta sua nova fase são publicados este mês. “Um país que sonha – cem anos de poesia colombiana”, com organização da poeta e ensaísta colombiana, Lauren Mendinueta, e traduções de Nuno Júdice, é um deles. A obra será apresentada no próximo dia 24 de Março, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no âmbito da comemoração do Dia Mundial da Poesia. Também em Março, mais para o final do mês, irá para as livrarias “Igreja e Sociedade Portuguesa – do Liberalismo à República”, um ensaio de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, que ali tem outras obras publicadas (“Portugal e os Portugueses” e “Porquê e Para Quê? — Pensar com esperança o Portugal de hoje”).

Vasco Teixeira diz que foi já proposta aos autores da Assírio a transmissão dos contratos para a Porto Editora e que os contratos dos "autores mais relevantes" estão assegurados. Haverá livros da Assírio & Alvim à venda nos hipermercados? “Poderemos ter se os hipermercados entenderem que o seu público é o adequado para determinados tipos de livros, mas vai ser difícil. A maioria dos livros da Assírio & Alvim não são para o mercado genérico e dificilmente o hipermercado irá adquiri-los.”

Lembrando que, após ter sido anunciada a primeira fase desta parceria, houve nas redes sociais e blogues quem se interrogasse se a Porto Editora iria “esmagar” a Assírio & Alvim, Manuel Alberto Valente afirma que “o objectivo não foi descaracterizar a Assírio & Alvim”, mas, “pelo contrário, garantir a salvaguarda e a continuidade de um projecto que, sem este recurso, se calhar tinha condições muito precárias para continuar”. Acrescentando que já a anterior compra da Sextante não fora feita “por razões de ordem económica”, assegura que a Porto Editora“vai respeitar integralmente o espírito que presidiu à Assírio desde o tempo do Manuel Hermínio Monteiro”.

Notícia actualizada às 16h52. Substituído texto da Lusa por texto publicado na edição impressa do PÚBLICO deste sábado

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