Freeport: ex-edil de Alcochete disse que licenciamento do outlet envolveu “jogo político”

O ex-presidente da Câmara Municipal de Alcochete Miguel Boieiro (CDU) disse nesta quinta-feira que o licenciamento do Freeport envolveu “jogo político” para favorecer o PS e negou que tenha participado numa reunião com José Sócrates para discutir o projecto.

Indicado como testemunha de acusação, o antigo presidente da autarquia de Alcochete (1983-2001) associou a perda das eleições autárquicas da CDU nesse ano, a favor do PS, com o chumbo inicial do projecto Freeport, observando que, mais tarde, já durante a presidência socialista da Câmara local, o empreendimento foi aprovado, apesar de terem sido feitas muito poucas alterações ao que estava previsto.

Miguel Boieiro considerou que o projecto trazia vantagens para o município de Alcochete e que as questões ambientais foram empoladas, designadamente pela comunicação social, porque, na realidade, o outlet foi construído num local onde anteriormente existia uma fábrica de pneus (da Firestone), que havia contaminado o solo com os químicos utilizados na sua actividade industrial.

O que o autarca da CDU diz ter estranhado não foi a localização do Freeport na zona da antiga fábrica de pneus, mas o chumbo inicial do projecto a escassos dias das eleições autárquicas, o que, a seu ver, contribuiu para a derrota eleitoral da CDU e a subida do PS à presidência da edilidade local.

“Houve qualquer coisa de esquisito nesse chumbo a poucos dias das eleições”, disse, observando que a decisão foi um “balde de água fria” nas pretensões da Câmara liderada pela CDU. “Surpresa”, insistiu, foi o projecto ser mais tarde aprovado no mandato do PS sem alterações significativas ao projecto que havia sido reprovado.

Miguel Boieiro, que aos jornalistas disse não perceber a razão para o então ministro do Ambiente, José Sócrates, nunca ter sido ouvido no âmbito do caso Freeport, frisou em tribunal que nessas eleições autárquicas o PS apareceu com meios de campanha como nunca antes se tinha visto em Alcochete.

Em resposta a perguntas do procurador Vítor Pinto, a testemunha disse conhecer os dois únicos arguidos em julgamento - Manuel Pedro e Charles Smith - referindo, relativamente ao primeiro, que também conhecia o seu pai.

Quanto a Charles Smith, engenheiro e consultor escocês que representava os ingleses da Freeport, admitiu que este o convidou a realizar uma viagem de trabalho a Inglaterra para se inteirar do projecto “outlet”, mas que, por razões que desconhece e não deu importância, tal deslocação à capital britânica nunca se concretizou.

Dentro e fora do tribunal, Miguel Boieiro considerou que o processo de licenciamento do Freeport obedeceu a um “jogo político” e a alguma “malandrice”, mas disse aos jornalistas não ter provas disso, nem de que tenha havido financiamento ilegal de partidos políticos. Entende contudo que há factos e circunstâncias que o levam a pensar nesse sentido.

O autarca disse ainda em tribunal que Alcochete era um município “escondido” e sem relevância nacional até à construção da Ponte Vasco da Gama, altura em que a localidade “entrou no mapa” e começou a despertar maior interesse, até dos ingleses do Freeport, com quem chegou a reunir-se no seu gabinete na autarquia.

Garantiu que nunca se reuniu com José Sócrates e que uma reunião que teve com o então secretário de Estado Silva Pereira foi para tratar de outros assuntos ligados a questões de protecção ambiental.

A testemunha admitiu que manteve reuniões na altura com o advogado Augusto Ferreira do Amaral, mas jurou não se recordar que este advogado estivesse ligado de alguma forma ao projecto Freeport.

À saída do tribunal, Miguel Boieiro disse à Lusa que no caso Freeport “houve uma mistura do poder judicial, do poder político e da comunicação social” e que “há uma tentativa de encontrar um bode expiatório”, tendo “calhado bem” a muita gente que os dois únicos arguidos sobreviventes à fase de investigação “não sejam políticos”.

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