Cientistas detectam “revolução” invisível das acácias contra plantas nativas

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Camarinha em segundo plano e, atrás, antes dos pinheiros, a acácia Cristina Máguas

Não são precisas muitas acácias para alterar um ecossistema. Apenas uma pode alterar os solos, através de interacções invisíveis, e a uma distância muito maior do que o pensado, segundo cientistas portugueses e alemães, num artigo a publicar amanhã na revista Ecological Letters.

As estratégias de sobrevivência da acácia (Acacia longifolia), originária do Sul da Austrália e da Tasmânia, foram reveladas numa duna costeira de Pinheiro da Cruz, no concelho de Grândola, por investigadores do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa e do Departamento de Ecologia Experimental e de Sistemas da Universidade alemã de Bielefeld.

A espécie, trazida para Portugal para fins ornamentais e para fixar os solos, tornou-se numa ameaça descontrolada e uma dor de cabeça para associações florestais, municípios, empresas e particulares. E não é por desfear a paisagem; a árvore compete com as plantas nativas pelos recursos, nomeadamente pela água, e altera o funcionamento do solo.

Agora, as duas universidades acreditam que podem ajudar a fazer a diferença no combate à exótica que a Universidade de Coimbra acredita ser a mais agressiva em solo de Portugal Continental.

“Pela primeira vez usámos isótopos de azoto para identificar o padrão especial de influência da acácia no sistema circundante”, disse Cristina Máguas, do Centro de Biologia Ambiental, ao PÚBLICO.

Os investigadores ficaram surpreendidos com a descoberta. “Assim que uma simples acácia se instala numa zona, e antes de nos apercebermos que está em curso uma invasão desta espécie exótica, a planta deixa imediatamente a sua marca no sistema e altera-o para seu próprio benefício”, acrescentou. As alterações, invisíveis para quem olha a paisagem, foram detectadas graças à utilização dos isótopos estáveis de azoto.

De acordo com Cristina Máguas, as dunas são normalmente pobres em nutrientes e as plantas nativas estão bem adaptadas. Ora, a acácia “está associada ao enriquecimento do solo em azoto” e “a incorporação do azoto fornecido por si reflecte-se nos tecidos das outras plantas”, explica um comunicado da Universidade de Lisboa. Para detalhar a interacção “invisível” entre as acácias e as outras plantas, os cientistas mapearam numa área de duna com poucos metros de extensão a abundância de azoto utilizando a camarinha Corema album, arbusto endémico. Para isso, explicam, mediram a quantidade de azoto nas folhas desse arbusto e notaram que esta quantidade aumenta significativamente com a proximidade da acácia.

Preparar o palco

Aquilo que mais surpreendeu os investigadores foi a distância alcançada por estas interacções. Normalmente não seriam consideradas ainda “invadidas” por acácia. “O enriquecimento em azoto nas folhas da camarinha foi detectado a uma distância superior a três vezes a área ocupada pelas acácias”, dizem. “É como se a planta preparasse o palco – neste caso o solo – para a sua própria chegada, conseguindo condições que a favorecem competitivamente.”

Questionada sobre se o aumento dos níveis de azoto no solo não iria beneficiar também as espécies de plantas nativas, Cristina Máguas reagiu prontamente. “A curto prazo pode ter benefícios, porque se trata de nutrientes. Mas a médio e longo prazo... nunca.” À medida que as acácias se multiplicam e cobrem o ecossistema “vão abafando o espaço das outras plantas”.

A investigadora do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa, acredita que esta metodologia dos isótopos de azoto permitirá “fazermos um diagnóstico precoce do problema, em tempo muito útil para a recuperação do sistema”.

“Este método é importante para a conservação pois permite identificar precocemente os efeitos associados às invasões por plantas fixadoras de azoto” e ainda “monitorizar a persistência destes efeitos em processos de erradicação”.

Cristina Máguas adiantou ao PÚBLICO que ainda há trabalho para fazer. “Para o futuro queremos transpor esta metodologia para qualquer ponto do globo e depois para uma escala muito maior”. A investigadora salientou as possibilidades das imagens de satélite. “Gostaríamos de conseguir cruzar os dados obtidos através da metodologia que utilizámos com as imagens de satélite para ficarmos com uma ideia à escala regional ou mesmo global”, acrescentou.

Estima-se que a Europa gasta por ano cerca de dez mil milhões de euros para travar as espécies invasoras, como a acácia mas também como o jacinto-de-água ou o lagostim-do-Louisiana.

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