Bruxelas chumba venda do BPN se o Governo mantiver crédito a custo zero

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A meta para a privatização do banco nacionalizado em 2009 é 31 de Março Foto: Hélder Olino (arquivo)

As condições de acesso a um crédito até 300 milhões de euros que o Governo prometeu avalizar ao BIC Portugal, no âmbito do acordo de venda do BPN, são o principal ponto de divergência com a Comissão Europeia, que admite chumbar o negócio.

Bruxelas não aceita que a linha de liquidez seja disponibilizada a custo zero para o grupo luso-angolano - como está previsto - e exige a aplicação de uma taxa de juro de 300 pontos base (3%).

Nas últimas semanas, o dossier BPN (Banco Português de Negócios) regressou em força ao debate público. Para além dos termos da alienação do banco - nacionalizado pelo anterior Governo, em 2008 -, surge também a intenção manifestada por deputados do Bloco de Esquerda (e concretizada pelo PS) de avançar com uma comissão de inquérito parlamentar à privatização, o que veio criar um quadro de negociações complexo.

Neste quadro, Fernando Teles, accionista e presidente do grupo BIC (BIC Portugal e BIC Angola), e a quem caberá uma palavra decisiva no negócio, passou a ser o interlocutor do Governo português. O banqueiro luso-angolano estará em Portugal na próxima semana, altura em que aproveitará para se encontrar com Maria Luís Albuquerque, secretária de Estado do Tesouro, responsável pela condução do processo de privatização. "Não quero falar sobre esse tema", disse ao PÚBLICO Fernando Teles, a partir de Luanda.

Por isso, só na terça-feira é que se ficará a saber se a venda do BPN ao BIC Portugal, que terá de estar concluída até final de Março, tem pés para andar. Nesse dia, os accionistas portugueses e angolanos, entre eles, Fernando Teles, Isabel dos Santos e Américo Amorim, vão reunir-se, em Lisboa, em conselho de administração para analisar a posição de Bruxelas que já é do seu conhecimento.

Neste encontro, os responsáveis terão que decidir se aceitam os remédios propostos pela União Europeia para aprovar a operação. Em concreto, o pagamento de uma taxa de juro de 3% pela linha de financiamento de 300 milhões de euros.

No acordo celebrado no final de Julho entre Mira Amaral, pelo BIC Portugal, e a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, o comprador (que se propõe pagar 40 milhões de euros pelo banco) faz depender a aquisição do BPN da aprovação pela Direcção-Geral da Concorrência (DGC) da União Europeia.

O PÚBLICO divulgou, na edição de 25 de Fevereiro passado, que uma das cláusulas mais controversas do acordo é a criação, pelo Governo e através da CGD, de uma linha de liquidez até 300 milhões de euros, por um período de três anos, à taxa Euribor, e a custo nulo. Ou seja: sem spread (a margem cobrada habitualmente pelo banco que empresta) para o BIC Portugal. A DGC chumbou este ponto por o considerar uma ajuda encapotada do Estado português ao banco de capitais luso-angolanos. Para autorizar o negócio e a fim de evitar que este caso se torne um precedente para outros bancos europeus, Bruxelas impôs que o acesso, total ou parcial, à linha de 300 milhões de euros passe a ter um preço: um juro de 3%.

Manter os rácios

A almofada de 300 milhões de euros (verba que fica na CGD em stand-by) é para ser usada à medida que a carteira de depósitos do BIC/BPN se reduza (caso isso aconteça) e permitir que o rácio de alavancagem (proporção do crédito face aos depósitos) não ultrapasse os 120%, a meta fixada pelo Banco de Portugal.

O acordo define que sejam transferidos 1,7 mil milhões de euros de depósitos para o BIC Portugal e créditos de 2,25 mil milhões, montantes que asseguram que o rácio de transformação de créditos em depósitos fique dentro do patamar imposto pela entidade de supervisão.

O impacto nas contas do BIC Portugal do remédio imposto por Bruxelas dependerá do grau de utilização dos 300 milhões de euros que serão disponibilizados.

A venda do BPN ao BIC Portugal já exigiu que o Estado injectasse 600 milhões de euros no banco que está a ser privatizado e concedesse apoios de tesouraria de 700 milhões. Para além dos 300 milhões já referidos, e que foram chumbados por Bruxelas, o BIC assume mais 400 milhões de euros de uma emissão de mil milhões de euros de papel comercial do BPN subscrita pela CGD.

No caso dos 400 milhões de euros, Bruxelas não levantou objecções, mas admite-se que possa ter questionado o Governo português sobre as razões que o levaram a reforçar o capital do BPN em 600 milhões sem pedir a colaboração do BIC Portugal.

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