Os filmes da Tobis já não podem ser vendidos. São tesouro nacional

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Além dos filmes, foi classificado todo o material documental DANIEL ROCHA

A classificação do património material da Tobis foi aprovada em Conselho de Ministros. O católogo de dezenas de títulos ficará na íntegra na Cinemateca

Com a classificação de tesouro nacional, aprovada ontem em Conselho de Ministros, o património cinematográfico e documental da Tobis ganha uma protecção especial. É a primeira vez que, em Portugal, património fílmico consegue este estatuto. A partir de agora A Canção de Lisboa ou O Costa do Castelo são património nacional, exactamente como a pintura Painéis de S. Vicente, o Mosteiro dos Jerónimos ou o Templo de Diana.

Além dos filmes, o património da Tobis inclui todo o arquivo documental, com a actividade da empresa desde a fundação, há 80 anos. O conjunto deverá passar para a Cinemateca Portuguesa, onde os filmes mais antigos já estão, disse ao PÚBLICO José Manuel Costa, subdirector.

"O objectivo principal era beneficiar das protecções que a lei prevê, ou seja, garantir que o conjunto não se disperse", explica o responsável, envolvido no processo de classificação.

A Secretaria de Estado da Cultura recusou responder a perguntas, limitando-se a fazer saber, por email, que "é mais um sinal da elevada importância reconhecida pelo Governo ao riquíssimo acervo da Tobis".

O termo "tesouro nacional" é equivalente, no património móvel, à classificação de monumento nacional, e o processo relativo aos materiais da Tobis começou há cerca de um ano, ainda com Gabriela Canavilhas como ministra da Cultura. Agora classificado, este património não poderá ser alienado sem autorização do Governo.

José Pedro Ribeiro, director do Instituto do Cinema e Audiovisual, que negociou a venda da Tobis à empresa angolana Filmdrehsicht, disse apenas ser natural salvaguardar o catálogo com a "mais alta classificação" que a lei permite. "São filmes que fazem parte do património nacional", diz.

A Tobis detinha os direitos dos títulos mais marcantes da chamada "idade de ouro" do cinema português das décadas de 30 e 40, além de obras de realizadores que fizeram o Cinema Novo nas décadas de 60 e 70. A Canção de Lisboa (1933), de Cottinelli Telmo, com António Silva, Vasco Santana, Beatriz Costa e a então "promessa" Manoel de Oliveira, inaugurando a comédia portuguesa. A este "género" podemos também associar filmes de Arthur Duarte como O Costa do Castelo (1943) ou O Leão da Estrela (1947), e A Vizinha do Lado (1945), de António Lopes Ribeiro. O Crime de Aldeia Velha (1964), de Manuel Guimarães, A Promessa (1972), de António Macedo, Benilde ou a Virgem-Mãe (1974), de Manoel de Oliveira, e Crónica dos Bons Malandros (1984), de Fernando Lopes, são outros títulos do catálogo.

Além dos filmes directamente produzidos pela Tobis, entram na lista os títulos que a empresa herdou de outras produtoras, como a Lisboa Filme dos anos 30 ou a mais recente V.O. Filmes, da década de 80. Está ainda contemplado o catálogo de "actualidades" e documentários (muitos já do Estado). "A Tobis foi uma das empresas mais importantes da história do cinema português", diz Tiago Baptista, historiador e conservador de cinema português, lembrando o papel crucial que a empresa teve no aparecimento do sonoro. "Muitos filmes são do tempo da ditadura salazarista, representando essa parte da história."

Canavilhas, agora deputada pelo PS, saúda a classificação, mas afirma-se apreensiva com a falta de transparência do negócio de venda. Defende que é preciso perceber que empresa comprou a Tobis e com que objectivos. "Há um património imaterial, que são os trabalhadores com o seu know-how único", diz em relação à rescisão de contrato com cerca de metade dos trabalhadores. José Manuel Costa garante que foi uma coincidência a decisão ter saído pouco tempo depois da concretização do negócio, realizado há duas semanas. "Não há qualquer ligação, este processo de classificação já existia antes." A lista dos tesouros nacionais foi criada no rescaldo do roubo de jóias da coroa portuguesa na Holanda, em 2002. Lucinda Canelas e Sérgio C. Andrade

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