Corpos como árvores

Carlota Lagido volta ao palco, depois de anos

É um dos mais singulares corpos da história da dança contemporânea portuguesa, inscrito em peças de sua autoria como Not Forget, Not Forgive (1999), em objectos ainda hoje estranhos como Disfigure Study, de Meg Stuart (1991), e, sobretudo, em peças de Francisco Camacho, em que mais do que corpo foi um discurso "sempre selvagem". Carlota Lagido quis esquecer esse passado e mergulhou noutros universos - figurinos, música, cenografia, instalação... Desapareceu noutros corpos, como no belíssimo (e tão-pouco visto) Monster (2009). É por isso que o seu regresso, em apresentação única no Maria Matos com The Importance of Nothing (21h30), se reveste de particular significado. É ela a descobrir "o que sempre quis": "um lado sensorial", "uma vertente plástica que poderia pertencer a uma galeria de arte". E, porque sempre gostou de mudar coisas de contexto, já não será tanto o corpo, mas as imagens que ele sugere. Não tanto o espaço como o modo como ele é modificado. Já não se sentirá tanto o movimento, mas a sua memória, um lastro, como para contrariar a perda, física, material e emocional. Ela fala de "relações metafísicas" e cita Espinosa: "Todas as coisas notáveis são tão difíceis como raras." No palco, para além dela e dos vídeos (e presença) de Tiago Cadete, encontrar-se- -ão novas configurações para objectos de peças anteriores, equilibrando som, corpo físico e corpo virtual. E haverá uma árvore. Ela diz não saber justificar a sua "obsessão por árvores". "Talvez tenha que ver com a permanência, a natureza tem essa coisa da transformação e permanência." Carlota será a melhor aproximação a essa ideia: um corpo que nasceu, matou, morreu mas nunca foi embora. E agora regressa "por um ímpeto": "Estava a apetecer-me." Tiago Bartolomeu Costa

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