Eterno desacordo

Foto

Prova provada e infalível de que o Acordo Ortográfico não conseguirá harmonizar a língua portuguesa, contra o que mais temem os seus críticos e porventura mais desejam os seus defensores, descobri-a eu anteontem numa notícia banal do Jornal de Negócios.

Em nota meramente factual contava-se que o ministro da Economia, o nosso Álvaro, fora inspeccionar uma lucrativa empresa em Aveiro que exporta autoclismos para todos os continentes. No título dizia-se: "Ministro da Economia visita maior produtor europeu de autoclismos".

O país precisa de lavamento, pelo que podemos compreender o empenho do ministro na visita. Mas veio-me à memória uma história que li, já não sei onde, pelo punho do jornalista e escritor Ruy Castro. (Entretanto, dizem no Brasil que ele está doente; esperamos que recupere bem e depressa). Pois em 1973 Ruy Castro chegou a Lisboa para trabalhar numa revista brasileira cá editada. No primeiro dia de trabalho houve um problema na casa de banho e ele pediu à secretária: "Isabel, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada".

Isabel apenas percebeu o nome próprio e o "por favor". Mas um colega do lado, brasileiro-português, já acostumado aos labirintos da língua entre Portugal e Brasil, traduziu o pedido: "Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete". E então sim, Isabel percebeu.

Tudo isto conta Ruy Castro. Como foi que surgiram entre nós os vocábulos "autoclismo" e "retrete", enquanto os brasileiros escolheram os termos "bombeiro" e "privada"? Eu sei que a troika não trata destas coisas. Etimologicamente, aprendo no Houiass, autós significa em grego "por si mesmo" e klusmós "acção de lavar". Privada entrou mais tarde e sem este amparo clássico. É produto duma outra civilização.

Nunca alinhei especialmente nas brigadas pró ou contra a unificação da ortografia. Por falta de competência não iria acrescentar nada ao debate. O que posso dizer é que nenhum acordo de escrita entre Brasil, Portugal e a África lusófona irá erradicar estas diferenças de vocabulário. E muitas outras existem, como toda a gente sabe.

Um brasileiro ficaria apatetado com a notícia do Jornal de Negócios. Quando o bloguista anonimamente conhecido de O Meu Pipi publicou as suas reflexões no Brasil, foi preciso uma edição especial que tornasse aquele vernáculo acessível aos brasileiros. Desde lado passa-se o mesmo. O Acordo Ortográfico tem sido muito atacado por fazer da língua falada métrica e padrão da língua escrita. Mas não existe acordo que resolva este eterno desacordo.

1. Vamos no quarto dia de publicação no Correio da Manhã das escutas irritantemente válidas entre o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o ex-reitor da Universidade Independente acerca da velha questão da sua licenciatura. Nada que espante. A dra. Cândida Almeida, que fez perícias a partir de fotocópias e não quis saber de mais, precisa de se explicar. Tal como o procurador-geral Pinto Monteiro. Às vezes pergunto-me se o Estado português, através destes distintos elementos do poder judicial, quer mesmo que um cidadão comum pague, digamos, uma simples multa quando eles não fazem aquilo que devem contra a fraude e a manipulação.

2.Quem também precisa de se explicar é o director-geral da RTP, Luís Marinho, depois das declarações prestadas no Parlamento pelo director adjunto da RDP, o jornalista Ricardo Alexandre, sobre o afastamento de Pedro Rosa Mendes da Antena 1. A verticalidade de Ricardo Alexandre ficou à mostra. E o comentário de Miguel Sousa Tavares no último Expresso completa a denúncia. Mas, tal como Cândida Almeida, o dr. Marinho não irá assumir nada, explicar aquilo que fez ou quem o mandou fazer e muito menos demitir-se. E vai ficar tudo como dantes até ao esquecimento total. Jurista

Sugerir correcção