Imitação 
da vida

Em vez de um grande filme sobre o luto ou sobre o 11 de Setembro, temos um drama certinho que passa ao lado do caos que lhe daria sentido

Há um momento, perto do fim deste filme onde todos os actores vão extraordinariamente bem (e não há como duvidar dos talentos de director de actores do britânico Stephen Daldry), que resume “Extremamente Alto, Incrivelmente Perto”. Jeffrey Wright está a ouvir o pequeno Thomas Horn a contar como o seu luto pela morte do pai no 11 de Setembro o levou àquele gabinete corporativo de Manhattan. Quando o miúdo pergunta se lhe pode contar uma coisa que nunca contou a ninguém, o rosto de Wright é memorável, cruzando a vontade de saber mais, o fastio de ter que aturar um miúdo a estas horas, o medo de ferir os seus sentimentos, a genuína curiosidade. Num piscar de olhos, o filme fica ali todo definido: sincero, bem-intencionado, desastrado, embaraçoso, um convidado que recebemos com agrado mas que desconfiamos não ter bem a noção de quando se está a tornar chato. Ou um filme que apregoa aos sete ventos a sua honestidade excêntrica, sem nunca nos conseguir convencer que teve garra para a levar até ao fim.


E, contudo, não teria de ser assim. Há real valor nesta adaptação do romance de Jonathan Safran Foer sobre um miúdo nova-iorquino inadaptado, curioso, tímido, talvez ligeiramente autista funcional (os exames sobre um possível síndroma de Asperger, diz-se a certa altura, não foram conclusivos) que tenta fazer o luto pela morte, no colapso das torres gémeas, do pai que adorava, buscando por toda a cidade a fechadura onde entre a chave que descobriu no armário. “Extremamente Alto, Incrivelmente Perto” está mais interessado no modo como os vivos fazem o seu luto, e para o jovem Oskar (uma criação de uma segurança arrasadora de Thomas Horn) esse luto consiste em mergulhar nas histórias que lhe são contadas pelos outros que vai encontrando na busca da fechadura, celebrando a vida que ficou. O problema é que não são essas histórias com que o filme se preocupa, mas sim com a de Oskar, e com a sua tentativa de criar um sentido para as coisas a partir do caos, aplainada de todas as arestas cortantes por um guião (de Eric Roth, o autor de “Forrest Gump”) que está demasiado interessado em conformar a sua odisseia excêntrica pelos cinco bairros nova-iorquinos a um arco narrativo convencional onde a redenção está no fim do percurso e todos viveram felizes para sempre.

É esse o erro de “Extremamente Alto, Incrivelmente Perto”: por muito que o filme queira ser uma celebração da vida, Daldry e Roth transformam-no numa simples imitação da vida que o final certinho com tudo no seu lugar estilhaça por completo, pontuada por ocasionais momentos de graça e outros de inenarrável mau gosto. Mesmo apesar do elenco de luxo bem dirigido que faz maravilhas com o pouco que vai tendo e cede generosamente o filme a Horn, mesmo apesar da fotografia impecável de mestre Chris Menges, o filme tomba rapidamente numa oportunidade perdida para falar do 11 de Setembro sem pudores, preferindo um meio-termo bem comportadinho e que não fira susceptibilidades. Podia ter sido um grande filme sobre o luto, mas para isso era preciso ter sido entregue a alguém que tivesse menos medo de “sujar as mãos” e mergulhasse a fundo no caos que Oskar quer ordenar para dele tirar a sua lição. E, de caminho, não consegue - oh, se não consegue! - desalojar “A Última Hora”, de Spike Lee, do trono de grande filme nova-iorquino sobre o 11 de Setembro.

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