Andy Warhol Os 15 minutos de fama que se tornaram eternos

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PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP

"A morte pode fazer de vocês estrelas", terá dito um dia Andy Warhol. Um quarto de século depois da sua, Warhol está mais vivo do que nunca, com exposições a multiplicarem-se por todo o mundo. E continua a ser uma personagem complexa e difícil de agarrar. "É demasiado labiríntico para ser entendido na totalidade"

Polémico, excêntrico, amado mas também detestado, o americano Andy Warhol (1928-1987) morreu há um quarto de século, mas parece estar mais vivo do que nunca. Pintor, fotógrafo, cineasta, pai da arte-pop, fundador em 1969 da revista Interview, mentor da Factory, o atelier por onde passou toda a fauna boémia e artística da Nova Iorque dos anos 60 e 70, impulsionador do grupo rock Velvet Underground nos anos 60, para quem criou a icónica capa da banana, homem da TV e da moda nos anos 80, actor, manequim, eterno dandy, estratega das aparências, das superfícies e dos rostos, Warhol é uma espécie de fenómeno social total, onde todos se podem reconhecer um pouco. Famoso em vida, ícone depois da morte, converteu-se num dos artistas mais conhecidos da segunda metade do século XX.

A sua prolífica contribuição para o mundo da arte, e da cultura popular contemporânea em geral, é agora motivo para diversas retrospectivas e exposições em todo o mundo, que assinalam a passagem dos 25 anos sobre a sua morte. A mais significativa é Andy Warhol: 15 minutes Eternal, uma retrospectiva com curadoria do museu Andy Warhol de Pittsburgh, a sua cidade natal, que passará por cinco cidades asiáticas durante os próximos três anos. A primeira exposição, a inaugurar a 17 de Março em Singapura, inclui mais de 300 pinturas, fotografias, desenhos e esculturas. As outras cidades incluídas são Hong Kong, Xangai, Pequim e Tóquio.

É a maior exposição de sempre de Warhol no continente asiático, incluindo trabalhos icónicos como Jackie (1964), Marilyn Monroe (1967), Silver Liz (1963), Mao (1972), Campbell"s Soup (1961) ou Self-Portrait (1986). No início do mês, na apresentação do périplo asiático, o director do museu de Pittsburgh e curador da exposição, Eric Shiner, afirmava que "Andy Warhol continua a ser uma personalidade complexa e difícil de apreender 25 anos depois da sua morte, apesar de muitos dos seus trabalhos fazerem parte da nossa consciência colectiva".

Nos últimos anos, muitas das grandes exposições em torno de Warhol, têm insistido nesta ideia: a de que não conhecemos bem a sua obra. Em primeiro lugar, pela sua omnipresença, como se essa proximidade não nos permitisse obter o distanciamento suficiente para enunciar novas leituras sobre a sua actividade e vida. Em segundo lugar, porque o seu trabalho e a sua presença são de tal forma multifacetados que tocam muitos territórios.

Um ícone em vida

Anos de discussão sistemática, de mediatização, de toneladas de documentos produzidos, de ter alcançado fama e de se ter tornado ícone em vida, explicam a sensação de o conhecermos na totalidade, mas a verdade é que se mantém um mistério em muitos domínios, tal a profusão de conexões culturais e sociais da sua obra. Não foi apenas o pai da pop, como o grande público ainda o vê. Ao longo dos anos impôs novos paradigmas: problematizou os limites da relação entre arte e comércio - aliás, o mercado da arte dos últimos trinta anos rege-se pelos seus princípios teóricos; esticou os limites do que é passível de ser considerado arte, contribuindo para legitimar o processo que torna possível a transformação de uma banal imagem dos media em obra; interrogou a ideia de autoria através de uma simples assinatura; fez a apologia da fama ou denunciou-a; e antecipou a tele-realidade, profetizando que todos teriam direito aos seus "15 minutos de fama".

Uma outra exposição inaugurada no início do mês em San António, nos EUA (Andy Warhol Fame and Misfortune, até 20 de Maio), dando conta, precisamente, dessa relação ambivalente com a fama e com o mundo das celebridades - era um apologista do universo da fama e do sucesso, ou pelo contrário, a sua obra expunha e constituía uma denúncia violenta desses valores? Não é por caso que para muitos entusiastas de Warhol, a sua verdadeira obra de arte terá sido a sua vida, uma existência mundana cercada por lantejoulas à superfície, mas experienciada com alguma distância no mais íntimo de si.

Uma outra homenagem está a acontecer, desde dia 17 de Fevereiro, na Ieper Library, na Bélgica, baseada na extensa colecção pessoal de um admirador, Diederik Vandenbilcke, consistindo em diversa memorábilia, como catálogos de exposições, posters ou gadgets de Warhol.

Na semana passada, em Frankfurt, Alemanha, o museu de arte moderna local, inaugurou uma exposição (Warhol: Headlines) que procura reflectir a influência dos meios de comunicação de massas na obra do artista. Ou seja, apresenta as obras que elaborou utilizando, por exemplo, manchetes de jornais (coleccionava histórias de BD e recortes de jornais e revistas), um interesse que remontava aos tempos em que era designer gráfico nos anos 50. Entre pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, esculturas e vídeos, as obras desta exposição também abordam outros temas, como personalidades famosas, a morte, as catástrofes e os eventos contemporâneos, temas todos eles retirados dos meios de comunicação.

Underground

Já hoje, para coincidir com a data da sua morte, o director de cinema australiano Jim Sharman, conhecido pelo musical The Rocky Horror Picture Show, disponibilizará na internet o filme Andy X. O projecto, que resulta de uma parceria entre diversos festivais australianos, é o primeiro de uma série de produções e filmes artísticos sem grandes meios de produção, a serem vistos no cinemas e online. Em declarações à imprensa, Jim Sharman disse que Warhol teria adorado a Internet, ao mesmo tempo que referiu que "o ciberespaço é o espaço ideal para explorar o enigma Warhol, que continua e muito por decifrar, de tal forma as suas ideias continuam a desenvolver-se no nosso mundo globalizado".

Para os admiradores mais empenhados, que estejam em Nova Iorque, existe sempre a possibilidade de realizar hoje um percurso, que sinaliza alguns dos locais e zonas onde deixou marcas. É esse o caso do edifício Decker na 33 Union Square West ou o número 860 Broadway, onde Warhol teve as suas duas Factory, ou ainda a Union Square, onde existe uma estátua, para assinalar a sua presença na área, onde trabalhou até 1984.

Warhol estudou desenho gráfico na Universidade Carnegie-Mellon de Pittsburg e, no final dos anos 40, mudou-se para Nova Iorque onde iniciou uma carreira de ilustrador comercial. Na década de sessenta abandonou o desenho publicitário enveredando pela arte, começando a desenvolver a sua faceta de artista de estúdio e director de cinema "underground". São os anos em que funda a Factory, um estúdio situado numa antiga fábrica de chapéus, que se converteu rapidamente numa fábrica de sonhos, ocupada quer por artistas das vanguardas, quer por celebridades de diversa natureza.

Em 1968 sofre uma tentativa de assassinato, com uma escritora e militante feminista, Valerie Solanas, a disparar cinco tiros. Ficou apenas ferido, mas esse foi o ano da mudança. Recria a Factory, com a loucura do passado recente a ceder lugar a uma entidade mais burocrática. Aí nascia o artista mais comercial, o produtor cinematográfico, o pintor de alta sociedade, o homem de negócios. E o artista americano transformou-se numa fábrica de fazer dinheiro, uma fábrica que funciona ainda melhor desde que morreu, em particular no caso dos retratos individuais, nos quais aplicou sempre a mesma técnica - serigrafia sobre tela impressa, a partir de retratos feitos com polaróides.

No ano passado, um auto-retrato, de 1964, foi vendido por 38,4 milhões de dólares (29 milhões de euros) num leilão da Christie"s em Nova Iorque. Meses depois, um retrato de Elizabeth Taylor aos 31 anos foi vendido por 26,9 milhões de dólares (20,2 milhões de euros). Em 2011, segundo a The Economist, as suas obras movimentaram 232 milhões (175 milhões de euros), cerca de 17% do volume total da arte mundial.

Consensual?

Mas, claro, como todas as figuras da sua estatura, Warhol não é consensual. Há três anos, em conversa com o curador francês Alain Cueff, este resumia o conflito: "Ao contrário do que se pensa, nos anos 60 e 70, estava muito longe de ser consensual. E hoje é-o menos. É demasiado labiríntico para ser entendido na totalidade pelo grande público. E no meio artístico é apenas visto como um artista pop, um artista de supermercado, o que é nitidamente redutor. A multiplicação de exposições nos últimos anos é precisamente um sinal evidente da sua enorme complexidade."

Os seus filmes, por exemplo, dividem os cinéfilos, pela sua origem pouco convencional. Em Sleep a câmara fixa-se num homem que dorme cinco horas. Ele, provocador, também não ajudava: "Quero fazer os piores filmes do mundo", dizia.

Da dança ao cinema, da música às artes plásticas, da escrita à televisão, da moda ao pensamento filosófico, Andy Warhol a todos parece ter contaminado. Para ele, a clássica divisória "alta" e "baixa" cultura não existia. A esse propósito o coreógrafo francês Jérôme Bel contava recentemente na revista francesa Les Inrockuptibles uma história, segundo a qual Warhol teria convidado para jantar, em sua casa, o músico de vanguarda John Cage, o coreógrafo Merce Cunningham, o casal John Lennon e Yoko Ono e a estrela pop Madonna. "Ele reuniu todos os meus heróis naquela noite", dizia Bel, "e o facto de achar que tinham muitas coisas para dizer uns aos outros parece-me emblemático da arte pop e de Warhol, ou seja, de uma maneira totalmente livre de pensar o mundo."

Na sua obra, a banalidade transmutou-se em excepção. Colocou no mesmo plano Mao, Marilyn, latas de sopa, suicídios, a morte. Em 1987 foi operado à vesícula. A operação, que não parecia problemática, parece ter corrido bem. No dia seguinte, faz hoje vinte e cinco anos, morreu. Tinha 58 anos. "A morte pode fazer de vocês estrelas", terá dito um dia, naquela maneira aparentemente displicente de dizer, algo insolente, deixando mais perguntas do que respostas.

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