Alberto/Alberta

Projecto de uma actriz, Glenn Close, que há décadas tentava recriar em filme o papel que interpretou nos palcos em princípios dos anos 80. Um papel não como todos os outros: o de uma mulher que vive como um homem, Albert Nobbs, mordomo num hotel da Dublin de finais do século XIX. O tipo de “tour de force” que vem a calhar em época de Óscares, diria um cínico - e Close surge entre as nomeadas para o galardão de melhor actriz. Mas cuidado, avisaria o mesmo cínico, porque se a Academia tem tendência a apreciar espectáculos de travesti raramente os premeia (que o digam Julie Andrews, por “Victor/Victoria”, e Dustin Hoffman, por “Tootsie”, nomeados mas não agraciados).


Mas adiante. Close e o seu número de transformismo são, de facto, o centro de tudo o que se passa em “Albert Nobbs”. A história vem do escritor irlandês George Moore, retocada pela própria Glenn Close, que escreveu o argumento a meias com John Banville. Coexistem uma observação, algo amarga e certamente sarcástica, sobre a condição feminina na Irlanda de XIX e o acesso das mulheres ao “mercado de trabalho”, e o relato, mais psicológico e a partir de certa altura preponderante, de um percurso de descoberta e aceitação de uma identidade sexual - quando Nobbs encontra outro “homem” (Janet McTeer, também nomeada para um Óscar, o de melhor secundária) que vive na sua mesmíssima condição transformista mas soube integrar nela o desejo, coisa que Nobbs, vivendo ao limite a “stiffness” da sua “personagem” de mordomo, congelou.

História exemplar, portanto, que Close conduz com solidez e abnegação, numa interpretação seguramente meritória. A sua maquilhagem “de homem” dá-lhe um ar “mumificado”, coisa que começa por ser estranha mas depois ganha um certo sentido. Não o suficiente para, problema nº1 do filme, conseguirmos passar da superfície e deixar de ver a actriz para passar a ver a personagem - é um problema de “suspension of disbelief”: vemos Close “a fazer de mulher que faz de homem” e nunca deixamos de a reconhecer, quase estranhando que as outras personagens a não reconheçam também (a talhe de foice: é por isso que, para os óscares, preferimos Streep, que de facto desaparece dentro do seu “travesti” de Thatcher). Problema nº2, fora a frieza, no melhor sentido, de Close, tudo o resto é bastante morno, no pior sentido. Rodrigo Garcia é um ilustrador, talvez convicto mas nem por isso inspirado, que apaga tudo o que devia realçar (ver, por exemplo, quão chocha é aquela cena de “feminilidade” reencontrada, quando Close e McTeer vão, vestidas de mulherzinhas, para a praia), incluindo os secundários, onde no entanto se contam o imponente Brendan Gleeson e a doce Mia Wasikowska, que era maravilhosa no “Restless” de Van Sant e aqui, na sombra de Close e na penumbra de um filme académico, parece muito menos maravilhosa.

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