A insubmissão militar

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O ministro da Defesa, Aguiar-Branco, deu uma opinião política sobre a organização militar portuguesa. Tal como está, disse ele, não é sustentável. Coisa que parece uma evidência a qualquer pessoa sensata. Para que precisa o país de 40.000 homens, de um equipamento caríssimo (e caríssimo de substituir, "modernizar" e manter), quando nada o ameaça ou pode ameaçar? Tem algum sentido mandar "missões de paz" para a Bósnia, o Kosovo e o Afeganistão? Que ganhamos nós com isso, excepto a inevitável indiferença do mundo e a "solidariedade" inútil da algumas potências, que, de resto, não se entendem entre si? Para que precisa a Força Armada de privilégios, que só faz sentido conceder em tempo de guerra? E, por fim, como se toleram dentro delas, com o nome neutro de associações, verdadeiros sindicatos?

Como de costume, os militares começaram agora com exigências de puro carácter corporativo: promoções (sempre essa velha questão), saúde, equiparação de facto ao funcionalismo civil e outras queixas do mesmo teor. Mas nós sabemos que das reivindicações profissionais, na aparência inócuas, se passa depressa para a política. Foi assim no "25 de Abril", para não falar do longo cadastro do século XIX e do século XX. Fatalmente, a carta "aberta" que a Associação de Oficiais escreveu esta semana ao ministro da Defesa, além de se imiscuir em assuntos claramente fora do seu papel e competência (como o escândalo do BPN) e de sugerir a demissão de Aguiar-Branco, seu chefe formal, reclama para si o estatuto de "insubmissa" e de participante activa na vida pública do país, e não hesita em denunciar os "criminosos desmandos" do poder.

Ora isto é intolerável. A Força Armada, se não for, como sempre em toda a parte o Estado a obrigou a ser, "uma força essencialmente obediente", acaba por se transformar numa série de bandos partidários, incompatíveis com a legitimidade e com a ordem democrática que dela deriva. Quando um "comunicado da Associação de Praças" declara que "já lá vai o tempo em que os responsáveis governamentais mandavam os militares ficar nos quartéis" ou a Associação de Sargentos se resolve dirigir directamente ao primeiro-ministro, porque acha inútil o diálogo com o ministro da Defesa, chegou a altura de pôr um fim expedito a veleidades, que, pouco a pouco, enfraquecem os fundamentos do regime. Não porque haja o menor risco de uma ditadura militar. Mas por uma questão de vergonha e decência.

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