Associação da cópia privada defende novas taxas mas aponta falhas à proposta do PS

Foto
O projecto quer taxar os leitores de MP3 com 50 cêntimos por GB de capacidade Mike Clarke/AFP

A Associação para a Gestão da Cópia Privada (Agecop) diz-se contente com o facto de estar a haver uma revisão da lei e defende as taxas sobre telemóveis, leitores de música e discos rígidos – mas encontra falhas no projecto de lei do PS.

Num encontro com jornalistas, a associação (responsável por distribuir pelos detentores de direitos as receitas das taxas sobre os suportes que permitem a cópia de obras) argumentou que a lei em vigor não está adequada ao mundo digital e que a mudança é necessária, dado que a legislação actual só taxa suportes como CD, DVD, e cassetes de vídeo e áudio.

O projecto de lei do PS, assinado, entre outros, pela ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, e pelo líder parlamentar, Carlos Zorrinho, alarga as taxas a todo o tipo de suportes e aparelhos, dos discos rígidos, às pen USB, passando pelos leitores de música e por telemóveis.

A ideia é que a taxação seja feita consoante a capacidade de armazenamento dos dispositivos, embora haja taxas diferentes para diferentes tipos de aparelho. O projecto de lei está agora a ser analisado por um grupo de trabalho de deputados.

A Agecop foi crítica em relação à lentidão do processo (a ideia de rever a lei remonta aos tempos do Governo de Sócrates), à pouca abertura para ouvir os representantes da indústria e a alguns pontos do documento.

Miguel Carretas, da direcção da Agecop, argumentou, por exemplo, que os cartões de memórias que sejam vendidos em conjunto com máquinas fotográficas não sejam taxados, porque não se destinam a cópias de obras, o que é contrário ao que o PS defende. O projecto de lei prevê uma taxa de seis cêntimos por gigabyte (GB) para “cartões de memória integrados noutros dispositivos”.

Já questionado pelo PÚBLICO sobre o facto de os leitores de música e os telemóveis estarem incluídos no mesmo patamar de taxação (o mais alto, de 50 cêntimos por GB), Carretas considerou ser “razoável” distinguir os dois tipos de aparelho e criar “um patamar intermédio”.

Para além disto, a Agecop criticou o projecto por determinar que a Inspecção Geral das Actividades Culturais receba um pagamento equivalente a 10% das despesas de funcionamento da Agecop. Um dos problemas , observou, é que a associação tenha de pagar pela "fiscalização do cumprimento da lei".

A associação apontou ainda ao documento uma “falha de português”, que leva a entender que os discos rígidos com mais de um terabyte (1024 GB) teriam uma taxa extra por cada GB a partir desse patamar, quando a ideia é que a taxa regrida e se torne menor para lá da fasquia do terabyte.
Por fim, a Agecop critica mesmo o uso do termo "taxa", preferindo "tarifa".

Chuva de críticas

O projecto de lei, vulgarmente conhecido como o PL 118, tem sido amplamente criticado na Internet.

Uma petição em curso, lançada pela Associação Nacional para o Software Livre (Ansol), ultrapassou nesta quarta-feira as sete mil assinaturas.

A Ansol foi nesta quarta-feira ouvida pelo grupo de trabalho dos deputados. "Os deputados mostraram receptividade às nossas propostas", considerou o presidente da associação, Rui Seabra, lamentando, porém, que a deputada Gabriela Canavilhas "não tenha apresentado" questões.

No Twitter e na blogosfera, muitos têm tecido críticas à proposta. Um dos argumentos mais frequentes é o de que os equipamentos podem ser usados para armazenar muitos outros tipos de conteúdos que não são cópias de obras protegidas.

A proposta “tem como premissa que todos os equipamentos de armazenamento digital são ferramenta de usufruto de cópia privada; na esmagadora maioria das vezes, os produtos de armazenamento destinam-se a conteúdos próprios e não a cópias privadas, autorizadas pelas leis vigentes”, argumenta a petição, cuja entrega ao Presidente da Assembleia da República ainda não tem data definida.

A petição critica ainda os diferentes patamares de taxa, afirmando que "um GB num disco rígido é exactamente igual a um GB numa pen, num cartão de memória ou num telemóvel, mas são taxados de formas abusivas e diferenciadas".

A Agecop, porém, nota que a taxa é paga, como está descrito no projecto de lei, pelos “fabricantes e importadores” e diz que “não é líquido” que o aumento acabe a ser repercutido no preço aos consumidores.

A associação argumenta que o mercado acabará por determinar que a taxa não seja simplesmente acrescentada ao preço final e que o facto de a cadeia de distribuição integrar fabricantes, importadores e retalhistas poderá permitir distribuir o acréscimo da taxa por estes elos.

Música é o mais gravado

O conceito da chamada "compensação equitativa" pela cópia privada está previsto numa directiva europeia de 2001 e, há mais tempo, na legislação portuguesa.

A cópia privada constitui uma excepção ao direito de autor e permite a cópia de obras para uso privado sob algumas circunstâncias, entre as quais, de acordo com a legislação portuguesa, não causar “prejuízo injustificado dos interesses legítimos dos autores”.

A ideia da compensação é remunerar os autores pelo dano causado pelas cópias privadas, que não podem ser controladas.

A lei da cópia privada “é uma lei de liberdade do consumidor”, considerou João David Nunes, da Agecop e também da Sociedade Portuguesa de Autores.

Referindo-se às críticas que têm surgido na Internet, Miguel Carretas observou que “o que as pessoas querem é que não haja lei”, posição que classificou como “um absurdo”.

Por seu lado, Rui Seabra diz não fazer sentido haver uma compensação pela cópia privada, já que, afirma, não há estudos nem provas que indiquem haver danos causados às indústrias por esta prática. "Questionamos o princípio", disse, afirmando ainda que, se o projecto de lei do PS fosse aprovado, seria "um absurdo".

Respondendo ao argumento de que os equipamentos que poderão vir a ser taxados podem nunca ser usados para a cópia de obras, a Agecop apresentou um estudo (elaborado pela Intercampus em 2009, mas só agora divulgado), segundo o qual a música é o tipo de ficheiro mais frequentemente armazenado em formato digital (85% dos mil inquiridos), seguida dos filmes e séries (57%) e jogos (15%). As fotografias e imagens surgem em quarto lugar, com 8% (estas gravações não são necessariamente cópias privadas).

Em média, os inquiridos que gravavam este género de ficheiros, disseram armazenar 64 canções e 12 filmes ou séries por mês. A Agecop tem em curso a recolha de dados para um novo estudo.

Artigo actualizado às 21h58

Acrescentadas declarações do presidente da Associação Nacional do Software LIvre, Rui Seabra.


Sugerir correcção
Comentar