Os amores franceses do Ludovice Ensemble

Foto
Na gravação optaram por recriar a pronúncia do francês antigo tendo em conta as últimas pesquisas na área do chamado français restitué Miguel Jalôto Pedro Cunha

O primeiro disco do Ludovice Ensemble, agrupamento de câmara especializado no barroco fundado em 2004 pelo cravista Fernando Miguel Jalôto e pela flautista Joana Amorim, explora um universo musical que tem sido pouco abordado pelos intérpretes portugueses. Em conjunto com o barítono Hugo Oliveira e mais alguns instrumentistas, percorrem o mundo feito de subtilezas e refinados códigos estéticos do Barroco francês através de três Cantatas (da autoria de André Campra, Louis-Nicolas Clérambault e Philippe Courbois) e peças instrumentais de Louis-Antoine Dornel. A escolha do programa do CD "Amour, viens animer ma voix!", disponível na etiqueta Ramée, corresponde a um paixão presente desde a criação do grupo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O primeiro disco do Ludovice Ensemble, agrupamento de câmara especializado no barroco fundado em 2004 pelo cravista Fernando Miguel Jalôto e pela flautista Joana Amorim, explora um universo musical que tem sido pouco abordado pelos intérpretes portugueses. Em conjunto com o barítono Hugo Oliveira e mais alguns instrumentistas, percorrem o mundo feito de subtilezas e refinados códigos estéticos do Barroco francês através de três Cantatas (da autoria de André Campra, Louis-Nicolas Clérambault e Philippe Courbois) e peças instrumentais de Louis-Antoine Dornel. A escolha do programa do CD "Amour, viens animer ma voix!", disponível na etiqueta Ramée, corresponde a um paixão presente desde a criação do grupo.

"Quando fundámos o Ludovice Ensemble o nosso principal objectivo era fazer música francesa, o próprio perfil instrumental, incluindo a flauta traverso, convidava a esse repertório", conta Miguel Jalôto. O grupo tem interpretado obras de compositores de outros quadrantes (sobretudo alemãs, mas também italianas ou portuguesas), mas o repertório francês dos séculos XVII e XVIII manteve sempre lugar de destaque e foi uma escolha lógica para um primeiro disco. "A música barroca francesa é um bocadinho um feudo dos próprios franceses, ainda que existam situações irónicas como o facto de William Christie, um americano, ser considerado o grande embaixador da música francesa!", refere o cravista. "O Ludovice Ensemble pode ter uma palavra a dizer nesse campo, pois a música francesa não tem que ser abordada com aquela visão de distanciamento e planificação que os franceses têm. Por vezes falta sangue e paixão. Apesar da subtileza dos códigos estéticos da época, as pessoas não deixavam de exprimir os seus sentimentos mais profundos."

Temperamento

Preocuparam-se em gravar obras inéditas em disco, o que obrigou a uma pesquisa detalhada, e a colaboração com Hugo Oliveira conduziu à análise da maior parte das Cantatas disponíveis para barítono. "Há um imenso repertório manuscrito na Biblioteca Nacional de França, mas a maior parte das cantatas são para soprano", conta Jalôto. "Era essencial que Clérambault estivesse presente e optámos pela Cantata de Courbois - que tem aquela ária lindíssima com trompete - por ser um compositor pouco conhecido. Quanto a ‘Le Jaloux', de Campra, atraiu-nos o facto de não ter nada a ver com as outras cantatas da época. Não é mitológica, não tem moral e tem uma coisa engraçada: o texto engloba os músicos como participantes da acção." Por exemplo, logo no início, o protagonista dirige-se aos instrumentistas dizendo: "Taisez vous, taisez vous", ou seja, "parem com a vossa música, não é o momento", mas mais tarde pede que toquem algo de belo pois está deprimido.

"Para quem não tem uma formação sólida na prática da música antiga é mais fácil abordar por exemplo Vivaldi, Corelli ou Bach, que é um compositor que resiste a tudo, mas no caso da música francesa se não se tem realmente um conhecimento profundo dos códigos interpretativos e da técnica e se não se tem uma ideia do ambiente cultural da França dos séculos XVII e XVIII não se chega lá", comenta o director do Ludovice Ensemble. No entanto, acha que "o temperamento português tem mais a ver com a música francesa do que com a música italiana pois não somos naturalmente expansivos. Pensamos muito antes de dizer alguma coisa e ainda hoje preservamos coisas que o franceses já não preservam, por exemplo nas formas de tratamento."

Na gravação optaram por recriar a pronúncia do francês antigo tendo em conta as últimas pesquisas na área do chamado "français restitué". "Em França o movimento já ganhou algum fundamento apesar de os grandes da música francesa, como por exemplo Christophe Rousset, não o utilizarem. Há regras precisas da Academia Francesa relativas a várias épocas, mas claro que há também margem para diversas interpretações", diz. "Às vezes pensa-se que o francês antigo pode criar uma barreira mas a produção de ‘Le Bourgeois Gentilhomme' [de Molière/Lully] realizada pelo Poème Harmonique foi um sucesso de público."

A relação com outras artes e a recuperação de repertório desconhecido tem marcado também o percurso do Ludovice Ensemble que neste último ano deu alguns passos no domínio da internacionalização. Participou nos festivais de Daroca (Espanha) e Laus Poliphoniae de Antuérpia e representou Portugal no showcase do REMA (Réseau Européen de Musique Ancienne) na Casa da Música. Em Dezembro fez também a estreia moderna de obras de Giovanni Giorgi e David Perez (compositores activos em Portugal no século XVIII) na Sé de Lisboa, no âmbito da temporada do Instituto Superior Técnico.

"Estamos sempre à procura de novo repertório - temos um outro projecto discográfico para 2013, desta vez com repertório relativo a Portugal - e a conceber novos programas, o problema é que o mercado português é muito pequeno e muitas vezes esse imenso trabalho é apresentado uma só vez", diz Miguel Jalôto. "Quanto à relação com as outras artes foi sempre algo óbvio para nós. No início era mais pintura, o nosso primeiro concerto foi inspirado em Watteau, chamava-se ‘Les Fêtes Galantes'." Mais tarde estabeleceram colaborações com a bailarina Akiko Veaux pois "a música francesa é inseparável da dança" e com a atriz Louise Moaty na área da declamação e da encenação. "Não se trata apenas de fazer espectáculos onde fica bem juntar diferentes artes, é também por aquilo que aprendemos com estas pessoas. Por exemplo a forma como passámos a articular musicalmente o texto relacionado com a pronúncia e a declamação foi reveladora assim como a abordagem da música de dança (ao nível ritmo e da pulsação). São aspectos muito importantes que nos dão a possibilidade de crescer enquanto músicos e artistas."