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EUA fecham embaixada, russos vão a Damasco tentar salvar o regime

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Desertores entre a população numa cidade próxima de Homs reuters

Após o fracasso nas Nações Unidas, norte-americanos e europeus procuram novas formas de pressão. Repressão causou pelo menos mais 69 mortes ontem

Sábado, horas depois de se saber que o regime de Bashar al-Assad matara pelo menos 200 pessoas na cidade de Homs, Rússia e China vetaram no Conselho de Segurança da ONU uma resolução onde se pedia ao Presidente sírio para deixar o poder. Ontem, os Estados Unidos fecharam a sua embaixada em Damasco. O Reino Unido ordenou o regresso do seu embaixador e chamou o representante sírio em Londres para consultas. Isto enquanto o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, partia de Moscovo em direcção a Damasco. Em Homs, continuaram a morrer pessoas.

O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague, descreveu o veto russo e chinês como "uma traição ao povo sírio". A oposição síria, alguns líderes árabes e a Human Rights Watch chamaram-lhe "uma licença para matar" dada a Assad. "O pior efeito do veto é que inflama a guerra civil, intensifica-a. Já não estamos a falar de uma guerra civil hipotética. Agora estamos no meio de uma guerra civil. Já começou", diz Nabil Boumonsef, colunista do diário libanês An-Nahar, citado pela Reuters.

Os russos defendem-se e contra-atacam: "Algumas vozes que reagem ao veto na ONU são quase histéricas", disse Lavrov, explicando que Moscovo pediu aos co-autores da resolução para esperarem pela sua visita a Damasco antes de levarem o texto a votação. "É deplorável que a resolução tenha tido este destino."

Os países árabes e ocidentais, agora indignados com a posição russa, demoraram meses para fazer o que a oposição síria pedia: sanções, pressão, isolamento do regime, levando Assad a acreditar que podia sair vencedor. Ontem, Paris e Washington anunciaram estar a trabalhar em novas sanções. Os russos pensaram que podiam salvar o seu aliado árabe e agora recusam perder a face. Dizem ser os únicos que tentam realmente encontrar uma solução política para o conflito, mas já não têm grande margem. Ou convencem Assad a abdicar do poder ou terão de admitir que nunca convencerão a oposição síria e os activistas no terreno a desistir de o derrubar.

"Demolição controlada"

Segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, o Presidente Dmitri Medvedev ordenou a missão a Damasco porque a Rússia "quer obter uma estabilização da situação síria com base na concretização de reformas democráticas" - as reformas anunciadas por Assad, prometendo eleições e negociações com a oposição, ao mesmo tempo que dispara a matar contra civis. Se for isso que Lavrov vai fazer a Damasco é pouco e é tarde.

"O objectivo da Rússia é preservar qualquer coisa dos destroços do regime e conter a influência ocidental no seu mais importante aliado árabe", diz Shashank Joshi, do think tank militar britânico Royal United Services Institute, ouvido pela Reuters. Este analista considera que o melhor cenário para Moscovo é provocar uma "espécie de demolição controlada do regime - uma transição para um novo regime, sem Bashar, mas erguido em redor dos fiéis à dinastia Assad".

Se a Rússia tivesse querido ouvir a oposição "podia garantir que mantinha a base militar na Síria [a única fora do território da antiga URSS] e os negócios", disse ao PÚBLICO Adib Shishakli, responsável para as Relações Internacionais no Conselho Nacional Sírio, o principal grupo de opositores. A Rússia "apostou no cavalo errado", afirma Joshi.

É possível então que Lavrov vá a Damasco tentar convencer Assad a ceder. Mas também é possível que Assad recuse. Afinal, o veto no Conselho de Segurança permitiu ao regime manter a ideia de legitimidade e alimentar a sua narrativa do conflito: o Governo continua a fazer frente a "grupos armados" e "terroristas estrangeiros" e resiste às tentativas externas para o derrubar.

Mísseis contra casas

Na cidade de Homs, isso significa bombardear casas com gente lá dentro ou atingir um hospital improvisado, como aconteceu ontem no bairro de Bab Amr, segundo os activistas anti-regime. Os canais de televisão árabes mostraram imagens em directo da cidade coberta de nuvens de fumo.

O enviado da BBC descreveu explosões constantes. Danny Abdul Dayem, um habitante, disse à emissora que o Exército está a usar mísseis pela primeira vez, garantindo que só na sua zona caíram ontem 300. Em resposta, diz o correspondente britânico, alguns desertores disparam armas automáticas, "num gesto fútil". Homs tem sido palco da pior violência dos últimos onze meses, desde que o regime mandou tanques para esmagar protestos pró-democráticos - e que durante meses se mantiveram pacíficos. Foi o local dos primeiros massacres e, por isso mesmo, foi ali que a resistência mais se fortaleceu.

Mas dos 69 mortos que o Observatório Sírio dos Direitos Humanos conseguiu contabilizar ontem nem todos morreram em Homs. O regime também lançou um ataque com centenas de blindados contra Zabadani, um dos subúrbios de Damasco onde o Exército Livre, formado por desertores, tem conseguido ocupar território.

Para já, poucos falam de guerra civil. Washington voltou a insistir que a melhor solução é política, mas o Pentágono afirmou que tem observado um número crescente de "deserções importantes de oficiais de alta patente que se passam para a oposição".

Todos os opositores e activistas querem derrubar o regime, mas não estão unificados. Até agora, a resistência armada tem sido feita em nome do Exército Livre; ontem, o único general a desertar até agora, Al-Sheikh, anunciou a criação de um novo "Conselho Militar Revolucionário".

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