Vamos plantar o futuro

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É um projecto a longo prazo - a 40 anos, mais coisa menos coisa. Nessa altura, cem hectares de terreno estarão transformados em florestas autóctones. Por enquanto é tempo de semear, coisa que fizeram Andreia Marques Pereira(texto) e Nelson Garrido(fotos). Um pequeno contributo para o projecto 100.000 Árvores na Área Metropolitana do Porto

Os objectivos não foram cumpridos - foram ultrapassados, como é orgulhosamente anunciado após pouco mais de duas horas de trabalho. Mãos na terra a plantar o que só dará frutos plenos daqui a 40 anos; mãos na terra a recriar algo que terá existido há muitos séculos, tantos que se contam em milénios. Porque na Idade do Ferro, o Castro do Monte Padrão, em Monte Córdova, Santo Tirso, já uma povoação fortificada (e já habitada desde o Bronze Final), estava coberto de vegetação autóctone que incluía pirliteiros, aveleiras, carvalhos, dizem os estudos dos solos e dos pólenes. Até há uns meses vivia como uma ferida aberta numa cicatrização adiada: incêndios em 2009 e 2010 fizeram dano na floresta que, ao contrário do que acontecia em tempos longínquos, já estava praticamente reduzida a eucaliptos e sobreiros. O fogo levou os eucaliptos, pôs à prova a capacidade de regeneração dos sobreiros (ainda permanecem, a cobrir o cimo do monte) e impulsionou a diversificação das espécies, que é, então, um voltar às origens. Assim, este sábado de manhã frio e solarengo, vários carregamentos chegam: carvalhos, aveleiras e castanheiros. À sua espera, várias dezenas de pessoas com uma missão: plantá-los. E, sim, os objectivos foram ultrapassados - as mil árvores previstas, afinal foram 1100.

É mais uma etapa de um projecto ambicioso, 100.000 Árvores na Área Metropolitana do Porto (AMP), que vai na sua quarta incursão de repovoamento florestal destas paragens nos últimos quatro meses. Tudo para ganhar o futuro - "não existe futuro sem árvores", lê-se no site do projecto. Assim pensam os pais do Tomás, três anos quase a cumprirem-se e muito gosto em andar ao ar livre, algo que herdou dos progenitores, ligados à natureza. "Viemos para ele plantar árvores" - e o petiz, cabelo claro, olhos azuis, plantou-as e mais plantaria se levarmos em conta a energia que vai desbaratando com um ramo a fazer as vezes de pistola. É o mais jovem dos "voluntários" nesta missão de reflorestar "cem hectares de áreas ardidas, livres ou que necessitam de reconversão" com espécies espontâneas das regiões, que podem incluir também amieiros, freixos, loureiros, ulmeiros, sabugueiro, pinheiros-mansos, medronheiros, por exemplo.

O sol já está desperto quando nos reunimos em frente à Câmara Municipal de Santo Tirso. Vamos chegando a conta-gotas - e "nós" somos os voluntários que responderam ao apelo do Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável da Área Metropolitana do Porto (CRE_Porto), a organização que promove a iniciativa, coordenada pela AMP e em colaboração com uma série de instituições. "Tivemos sorte", diz Célia Fonte, técnica do Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal de Santo Tirso, referindo-se ao sol que brilha como um manto diáfano sobre a terra ainda gelada. "Temos tido sempre. Parece que S. Pedro está do nosso lado", reforça Marta Pinto, do CRE_Porto, uma das presenças constantes nas acções deste projecto. Desde Outubro, praticamente todos os sábados há uma plantação por vários concelhos da AMP. O ritual é semelhante: "Vamos começar a habitual fila", diz Marta - e lá vão os carros, estrada fora, até ao local da acção.

Em frente ao Centro Interpretativo do Castro do Monte Padrão há quase um engarrafamento. São 87 os voluntários inscritos para hoje e isso não é usual. "O normal é termos 20, 30 pessoas", calcula Marta. Santo Tirso e Trofa, por onde andariam (outra vez) uma semana depois, são os locais que atraíram mais participantes - não surpreende, portanto, que tenham o maior número de árvores plantadas: 3302 e 2766. No total, até agora, foram plantadas 7400 e até ao princípio de Março mais alguns milhares ganharão raízes. O projecto regressará depois em Outubro, com mais municípios envolvidos, e assim será nos próximos anos - o projecto é quinquenal e as tais cem mil árvores a meta. Porque se uma árvore é um amigo, como cantava Joel Branco, uma floresta é uma multidão de amigos, indispensável para assegurar a qualidade do ar que respiramos (nas próximas quatro décadas, estas cem mil árvores serão responsáveis pelo sequestro de 20.280 toneladas de dióxido de carbono), mas também a regulação do clima e da água, o controlo da erosão e formação do solo, a reciclagem de nutrientes, a produção de matérias-primas, a protecção dos recursos genéticos e da biodiversidade, a recreação e na cultura, como se pode ler, à laia de manifesto, no site.

Ninguém nos enumera todos estes motivos, mas, imaginamos, para os que aqui estão "faz todo o sentido", palavras de Francisco Portugal, repetente nestas andanças, plantar árvores. "É uma atitude cívica e pomos em prática o que aprendemos", completa Tânia Alves, colega do curso de engenharia do ambiente na Universidade do Porto e chegados aqui pela divulgação no Facebook. Foi também a internet que trouxe Elsa Silva. Recebeu a newsletter do Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN: "não pertenço mas identifico-me"), veio de Vila Nova de Gaia e já está inscrita para mais duas acções. Vai plantar uma árvore pela primeira vez e será, já o vimos, a primeira de muitas: "Acho importante a nossa contribuição. É responsabilidade de todos cuidar da natureza", considera a licenciada em microbiologia.

A Capela Senhora do Padrão, pequena, branca, debruada a granito, já não consegue aglutinar o grupo em compasso de espera. Há dissidentes que partem em busca do sol, fugindo da sombra com vista para terra ardida, fetos castanhos, esqueletos de árvores e de arbustos. Em pouco tempo todo o grupo está na margem dos terrenos a plantar, a meio caminho do cimo do monte. À nossa volta vê-se o resultado do labor das incursões anteriores por estes terrenos - os minúsculos troncos dos castanheiros, por exemplo, são como pequenos gravetos, sem folhas, ("cuidado, não os pisem", é o aviso recorrente), marcados por ramos mais robustos e no centro dos círculos entretanto abertos, as caldeiras, que protegem as árvores-que-hão-de-ser da água e do mato, que se crescer perto pode sufocá-las.

No topo do monte organizam-se vestígios da Idade do Ferro até à Idade Média intervencionados, aqui estamos em cima do que terá sido um balneário da Idade do Ferro à espera de escavações. Foi o que motivou a aquisição do terreno pela autarquia, perfazendo nove hectares - 50 por cento municipais - de estação arqueológica que é também monumento nacional. A rocha onde estamos, com vista desafogada a 180 graus, delimita parte da zona de acção - na vertente oposta da encosta, para baixo está a maior; a mais pequena está para além de um muro, já na subida final para o topo do monte. Os tabuleiros com as árvores (cortesia da Quercus mas não só: "Ainda hoje, um professor trouxe 50 carvalhos para oferecer") saem das carrinhas e em pouco tempo parece que já desapareceram os buracos preparados para as receber - saberemos no final que são abertas covas extra, porque as que foram previamente abertas pelos sapadores não chegam para as encomendas. O processo de plantação assim é muito simples: é só tirar a árvore do contentor, enfiá-la nas covas e cobrir bem com terra - na verdade, é mais compactar a terra, pois a raiz da árvore já a traz também. Usam-se os pés, se necessário for, e marca-se o lugar com um ramo. E segue-se para a próxima, sob o olhar dos Sapadores Florestais de Santo Tirso. "Nesta altura do ano fazemos silvicultura preventiva e manutenção de corta-fogos. No Verão, prevenção de incêndios", explica José Magalhães, chefe de equipa. Aqui trabalham com os voluntários, que se juntam à rede coordenada pela AMP e que inclui diversas entidades governamentais e não governamentais, autarquias, associações, proprietários, instituições de ensino e empresas."Quase todos têm gosto, preocupação por esta actividade", afirma. Diz "quase" porque ainda está muito fresco o episódio do "miúdo que pegou numa das árvores e perguntou se era uma planta", conta entre sorrisos.

Foi um dos alunos da Oficina - Escola Profissional do Instituto Nun"Alvares (INA) que participam duplamente na iniciativa, ajudando na plantação e filmando material para o BGreen, o festival de vídeo ali promovido e que se debruça sobre questões ambientais. Por isso, os alunos de vários anos do INA andam com máquinas fotográficas e de vídeo atrás. "Onde está a câmara?", pergunta Cristiano a preparar-se para plantar a sua quinta árvore. "Estamos a pensar filmar um micro-filme e um spot".

Das salas de aula para o terreno também vieram os alunos da Escola Secundária D. Afonso Henriques de Vila das Aves. "Motiva mais andar na natureza", considera Elizabete Martins, 18 anos, aluna do curso profissional de Protecção Civil desta eco-escola, a "começar a entender que o ambiente tem de ser mais tratado" - e "a perceber como é trabalhar com isto", porque é algo que "poderão ter de realizar profissionalmente", nota a directora de turma deste 11.º P.

Quando os trabalhos são dados por terminados, olhamos para o terreno onde andámos e não se notam muitas diferenças. As árvores ainda são tão incipientes que são invisíveis ao longe, algumas não vão sobreviver, mas isso faz parte. Na segunda-feira os sapadores florestais vão voltar, para abrir caldeiras; os voluntários para a plantação de árvores não vão voltar: os objectivos para o dia são de tal maneira ultrapassados que a próxima acção aqui no Monte Padrão é cancelada, já se cumpriu a fase de reflorestação. Agora vai entrar-se no período de manutenção, que fica para os sapadores e equipas das autarquias. Um trabalho para as próximas décadas, se tudo correr bem. E que não vai terminar daqui a 40 anos, quando esta zona voltar a ser uma floresta densa, com carvalhos-alvarinho, aveleiras, castanheiros, pirliteiros - e também buxo e azevinho que iam ser plantados hoje, mas "foram reservados para a retancha" (substituição de árvores mortas), explica Marta.

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