Filme adulto a fingir-se de adolescente

“Jovem Adulta” é uma comédia amarga sobre o mal que acontece às pessoas que não querem crescer. É também um dos melhores e mais injustamente ignorados filmes americanos de 2011

Costuma-se dizer que mais vale cair em graça do que ser engraçado. Caso em questão: Diablo Cody, a argumentista americana aclamada por “Juno” (2007), rapidamente descartada depois do insucesso de “Jennifer's Body” (2009; que, por cá, nem sequer chegou à sala). Como a vingança é um prato que se come frio, Diablo Cody acaba de se reencontrar com o seu realizador de “Juno”, Jason Reitman, e juntos deixam não só esse filme de distância a milhas como tudo o resto que fizeram até hoje (o que, no caso de Reitman, inclui ainda os muitos estimáveis “Obrigado por Fumar”, 2006, e “Nas Nuvens”, 2009). De caminho, assinam um dos grandes filmes americanos de 2011 e a mais escandalosa (mesmo que previsível) omissão das nomeações para os Óscares, que de facto gostam de passar ao lado do que interessa.


É que “Jovem Adulta” é uma comédia tonitruante de travo amargo, um filme impiedoso que encena sem papas na língua o teatro quotidiano da crueldade social, que ergue um espelho a tudo o que há de pior na sociedade moderna e não pede desculpas por o fazer por entre gargalhadas. Porque sim, há muitas gargalhadas neste filme. Quase todas morrem na garganta logo a seguir, quando percebemos o desespero e a solidão que se escondem por trás delas, mas sim, rimos e não é pouco. Dir-nos-ão que nada há de novo nesta história de uma mulher que volta à cidadezinha natal para procurar resolver aquilo em que a sua vida se tornou - e não há. É o tratamento que a diferencia.

Mavis volta à cidadezinha do Minnesota que trocou pela grande cidade para tentar preencher o buraco de solidão que tem no lugar do coração, e para tentar recuperar o seu passado glamouroso de favorita do liceu, o mesmo que regurgita incessantemente nos livros para adolescentes que escreve para ganhar a vida. Mavis quis que o mundo fosse igual às suas fantasias - ainda o quer - e isso torna-a num desastre de automóvel à espera de acontecer. E que acontece quando regressa e mete na cabeça que vai roubar o seu namorado do liceu ao casamento feliz que ele tem, contra o conselho de Matt, o frique que ela ignorava há 20 anos e que agora é o único com que ela sente que consegue falar porque ela é tão frique e solitária como ele. A diferença entre Matt e Mavis é que Mavis vive em negação - e é dessa negação que nasce o humor que nos morre na garganta.

Nada disto, esclareça-se desde já, é gratuito. Nem Cody nem Reitman estão a fazer pouco das suas personagens. Bem pelo contrário: a Mavis de Charlize Theron é uma cabra psicótica que também é uma pessoa, o Matt de Patton Oswalt é um triste asocial que também é uma pessoa, e é nessa lucidez partilhada que o filme se ganha. O que é exemplar em “Jovem Adulta” é o modo como usa os estereótipos (da actual comédia americana, do filme de adolescentes, das personagens de linha de montagem) para mostrar o reverso da medalha, o que se esconde por trás da fachada - e que o problema não está em quando se é adolescente, é quando não se quer ser adulto. E “Jovem Adulta” não é um filme adolescente a fingir-se de adulto: é um filme adulto a fingir-se de adolescente, uma tragédia a fingir-se de comédia e uma farsa a fingir-se de drama. Não há como deixar-se ir com a aparente confusão: na cabeça de quem o fez não há confusão nenhuma. “Jovem Adulta” é uma pérola. Vai passar ao lado. Não merece.

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