Hoje há Pipis!

O Meu Pipi está de regresso com "sermões" tão eruditos quanto obscenos, num livro que pretende ser "uma âncora ética para pessoas de todas as idades"

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O Pipi andava desaparecido desde 2003, altura em que foi um dos maiores fenómenos da blogosfera portuguesa. A sua presença foi marcante mas fugaz, tendo saído de cena pouco depois da publicação de "O Meu Pipi - Diário", a colectânea de textos do blogue. Passado oito anos regressou com um novo livro: "O Meu Pipi - Sermões", uma colecção de seis textos publicada em Dezembro do ano passado. Neste livro, Pipi glosa alguns dos clássicos sermões do Padre António Vieira (inspirando-se também em Santo Agostinho), como o Sermão de Sto. António aos Peixes (às Pichas, neste caso) ou o Sermão da Sexagésima (Punheta Que Eu Bati Hoje).

Mas quem é o Pipi? Mesmo que o autor apelide o exercício de especulação como "rotíssimo" (na recente entrevista ao Ípsilon), este já dura desde 2003 e anda sempre à volta de nomes conhecidos e improváveis como Eduardo Prado Coelho, Pacheco Pereira e Vasco Graça Moura, ou dos mais razoáveis Pedro Mexia, José Diogo Quintela e Miguel Esteves Cardoso. No entanto, é Ricardo Araújo Pereira o mais aventado, tendo até sido alvo de uma aturada investigação de Bruno Vieira Amaral que prova (na revista Ler de Janeiro), através de uma análise comparativa, que o Pipi é deveras o famoso comediante dos Gato Fedorento — o autor do artigo tem, no entanto, a virtude de desvalorizar as "provas", prometendo demonstrar numa próxima edição "que as obras de Shakespeare foram escritas por José Diogo Quintela".

Porque deves ler este livro?

Segundo o autor, estes seis "sermões" surgem devido à sua convicção de que "é possível fazer muito melhor" que os sermões "de Moisés, de Cristo ou do Padre Vieira". Numa "nota prévia", o Pipi diz que o "pregador deve ter o verbo mais expressivo e inculcar uma moralidade mais recta. E fazer mais alusões à pachacha" (prometo ser parcimonioso nas citações!). É sempre nesta dualidade de um estilo doutrinário mas imoral, ou cujo conteúdo moral é libertino e depravado, que assenta esta prosa. A linguagem é profundamente cuidada e eloquente, e o tom que consegue manter através de todo o livro surge, tal como nos seus "diários", da forma culta como embrulha as suas depravadas diatribes e o vocabulário enciclopédico que desenterra nos ermos mais recônditos da língua portuguesa.

Surgem assim pérolas atrás de pérolas, inúmeras brincadeiras com a linguagem (muito para além dos banais trocadilhos) e momentos que desafiam os limites da beleza poética, como este: "O que é o prepúcio senão a coroa do marsapo, a alindar-lhe a glande com grinalda de encarquilhada cútis?". Pipi usa a bíblia e a mitologia (e o catálogo do IKEA), distorcendo habilmente os significados das passagens, como exemplo ou justificação para os seus badalhocos propósitos. Estes "sermões" são assim deliciosamente heréticos (e por isso apenas recomendáveis a quem suportar a profanação), mais falocêntricos do que machistas, e pouco misóginos (a mulher, ainda que objetificada, não deixa de ser adorada e admirada).

Devido à forma como aborda o sexo, com doses generosas de libertinagem e sacrilégio, o "Sermões" pode não ser um livro para todos (por isso não sei se "deves ler" se aplica neste caso). No entanto, se formos suficientemente livres de constrangimentos morais, dificilmente encontramos algo mais hilariante e divertido do que estes "sermões" — um exercício de liberdade do Pipi, seja ele quem for, que se propaga ao leitor numa leitura sem espartilho.

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