“Este comprimido é simplesmente a solução para a minha vida”

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Marcos Mota soube em setembro que tinha a "doença dos pezinhos" Manuel Roberto

Marcos Mota tem 28 anos e a vida em suspenso. Este e mais de uma centena de outros doentes com Paramiloidose esperam uma solução que pode custar ao Estado cerca de 135 mil euros por ano, por doente. Hoje o Parlamento discute o assunto.

Já nada nem ninguém poderá tirar as dores nas pernas que Marcos Mota sente nalguns dias, principalmente nalgumas noites. No entanto, seria possível fazer com que este doente com paramiloidose não sofresse mais do que isso. Bastava aprovar a disponibilização imediata no Serviço Nacional de Saúde do Tafamidis, um novo medicamento que pode evitar o transplante de fígado, até agora a única hipótese de sobreviver a esta doença fatal conhecida como "doença dos pezinhos". Todos os partidos - e uma petição pública com mais de 9400 assinaturas - vão pedir a adopção desta medida "com carácter de urgência" hoje, na Assembleia da República.

Como todos os doentes com paramiloidose na fase inicial sintomática da doença, Marcos Mota é um jovem de 28 anos aparentemente saudável, normal. Tem um emprego - é agente de viagens - e vive sozinho. Quem não o conheceu com os mais de 20 quilos que perdeu para a doença no espaço de um ano - ou, mais importante ainda, com o seu sorriso e boa disposição - não percebe o que mudou desde Abril de 2011. Hoje é um homem assustado, revoltado, desanimado, triste.

"Há cerca de um ano comecei a perder peso, mas não liguei. Não quis ligar. Tive medo." Ao contrário da irmã, Marcos nunca quis saber se tinha consigo a pesada herança genética da mãe. "A minha irmã fez os testes e está bem. Eu não quis fazer. Tinha 50% de hipóteses. Fi-los em Julho do ano passado e, no dia 9 de Setembro, recebi o resultado: positivo."

"Corredor da morte"

Terá sido nessa altura que sentiu que entrava naquilo a que chama "corredor da morte". A mãe, de 57 anos, hoje com 37 quilos, percorre este corredor há uns surpreendentes 21 anos - normalmente, o tempo médio de progressão da doença até que seja fatal é entre dez e 12 anos.

"Desde os meus sete anos que convivo com isto. Sei o que acontece. Hoje sou eu e a minha irmã que cuidamos dela, 15 dias um, 15 dias outro. Ela precisa de ajuda para tudo. Tudo." Menos para sentir. "Esta doença é desumana. Destrói o corpo, mas a cabeça continua lúcida. Assistimos à nossa degradação. Sabemos como vai acabar."

Quando soube que tinha paramiloidose, Marcos pesquisou e foi fácil saber da existência do Tafamidis. O medicamento capaz de travar a progressão da doença obteve uma autorização de introdução no mercado (AIM) da Comissão Europeia no dia 28 de Novembro. Poucos dias depois, a empresa titular da AIM apresentou o pedido de avaliação à Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), que ainda "decorre de forma normal e dentro dos prazos estabelecidos na lei", segundo disse um assessor do Infarmed ao PÚBLICO. Marcos também sabe que desde Janeiro de 2010 o Tafamidis é dado aos doentes com paramiloidose em França. "Eu não fiz nada para ter esta doença. Este comprimido é simplesmente a solução para a minha vida", resume.

Em Portugal, há 47 doentes que têm direito a tomar este comprimido diariamente, porque estão inseridos num ensaio clínico. Há ainda dois casos - um deles num hospital privado - de pessoas que receberam uma autorização de utilização especial do Infarmed para usar o Tafamidis. E há, sobretudo, mais de uma centena de pessoas na fase inicial da doença (ainda capazes de andar sem ajuda) que seriam os candidatos à toma de Tafamidis. Porém, com este tratamento cada doente custaria ao Estado cerca de 135 mil euros por ano. Uma factura demasiado alta em tempos de contenção e austeridade e que muitos - doentes, médicos e deputados - acreditam ser a principal razão para a demora nesta aprovação.

Marcos tem dias com dores musculares nas pernas, um cansaço físico insuportável, náuseas e vómitos. Uma semana com um sintoma, a seguinte com outro. "Pareço um morto-vivo a trabalhar." O facto de estar numa lista de espera para transplante de fígado, que o poderá levar a uma resposta para a doença dentro de dois anos, não o anima. "O transplante pode sair ainda mais caro do que o medicamento. Muitas vezes não é definitivo, temos de tomar medicação que também é cara e, provavelmente, serei mais um transplantado que não vai poder trabalhar." Marcos lamenta também que os doentes não sintam os médicos ao seu lado nesta luta pelo Tafamidis.

Não há dinheiro

"O nosso papel não é na rua. O nosso papel é tratar os doentes", responde Teresa Coelho, médica especialista no Hospital Geral de Santo António, no Porto. E, nos bastidores, a médica tem travado uma batalha pouco visível. Na tentativa de ver chegar o novo medicamento ao serviço, já fez dois pedidos de autorização de utilização especial à administração hospitalar para doentes que não podem ser submetidos a um transplante. A resposta foi, infelizmente, a que esperava: não há dinheiro.

"É desumano", concorda Teresa Coelho. Ela, que participou no ensaio clínico que "validou" o Tafamidis, não questiona a sua eficácia. "Trava a progressão da doença, ainda que não devolva o que já foi afectado." Mas percebe que o preço a pagar pelo SNS por esta terapêutica é muito elevado nos tempos que correm - feitas as contas a 100 doentes, seriam 13 milhões de euros por ano. Por muitos, muitos anos. "Não estou com expectativas muito positivas, mas vai ter que haver qualquer coisa. Espero que não seja nada que limite muito a utilização."

Marcos não tem expressão no rosto. É como se estivesse em suspenso, tal como a sua vida está desde Setembro de 2011. "Não faço planos. Os meus sonhos morreram: casar, ter filhos...", desabafa. Resta apenas uma luz ao fundo do corredor onde se sente: "O dia em que o comprimido esteja na minha mão será o dia mais feliz da minha vida. Se esse dia chegar. Se nesse dia eu ainda não estiver numa cadeira de rodas".

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