Os voos oscilantes do Tannhäuser de Wagner

Tannhäuser

De Wagner (ópera, versão de concerto)Coro e Orquestra Gulbenkian, Johan Botha, Falk Struckmann, Job Tomé, Melanie Diener, Manuela Uhl, Luís Rodrigues e outros (cantores), Bertrand de Billy (direcção)Lisboa, Grande Auditório Gulbenkian, dia 12, às 19h. Repete amanhã, às 16h. Sala a três quartos

Charles Baudelaire, grande apaixonado por Wagner e em especial pela ópera Tannhäuser, comparou um dia a música do grande compositor alemão à sensação de "voar livremente pelo ar". A direcção do maestro Bertrand de Billy da versão de concerto apresentada na Gulbenkian na quinta-feira não chegou a deixar a música voar e não imprimiu, completamente, ao tecido orquestral a coesão e a consistência próprias da avassaladora linguagem wagneriana, mas a noite reservou algumas intervenções vocais de alto nível e uma óptima prestação do Coro Gulbenkian, que mostrou boa sonoridade, dinâmicas bem doseadas e um forte envolvimento expressivo. A própria música de Wagner, exemplo paradigmático no plano da dramaturgia musical e dotada de um enorme poder sugestivo, é muito eficaz em versão de concerto, embora a ideia seja contrária à filosofia do compositor, que viria a ser o grande mentor teórico e prático do ideal da "Obra de Arte Total". No final, e após mais de quatro horas (contando com os dois intervalos), a maior parte do público parecia satisfeita e manifestou-se com entusiasmo.

Ponto culminante da ópera romântica alemã antes dos mais altos voos do drama musical, a partitura do Tannhäuser é pródiga em momentos célebres, logo a começar pela "Abertura". Na Gulbenkian, esse início emblemático foi perturbado por imprecisões nas trompas e por uma gestão de planos sonoros que nem sempre deu o devido realce às secções mais relevantes (por exemplo, a imponência do tema nos trombones ou a gestão das dinâmicas entre as várias camadas da textura). A densidade e a sonoridade encorpada nas cordas, tão peculiar à música de Wagner, também não deve ser confundida com força. Ao longo da obra, faltou ao maestro tirar mais partido do cantabile e das tensões dramáticas, mas ainda assim houve bons momentos e boa parte das intervenções vocais compensou alguma falta de amadurecimento do trabalho orquestral. Há, porém, que ter em conta que Wagner não constitui o repertório habitual da Orquestra Gulbenkian.

No plano vocal, o elenco contou com um poderoso Tannhäuser, interpretado pelo tenor sul-africano Johan Botha, que correspondeu com consistência e eloquência aos imensos desafios técnicos e interpretativos, fazendo justiça aos seus pergaminhos como cantor wagneriano. A prestação do baixo Falk Struckmann marcou também a noite pela nobreza vocal e teatral que imprimiu ao papel do Landgrave. Wolfram, outra importante personagem, coube ao jovem barítono português Job Tomé, num desempenho por vezes algo tímido mas que se distinguiu pela beleza do timbre e pela célebre "Canção de Wolfram" no Concurso de Canto no 2.º Acto. Como Vénus, Manuela Uhl foi mais elegante do que sensual e necessitava de graves mais pujantes; e a soprano Melanie Diener personificou Elisabeth com segurança, distinção e uma introspectiva versão da "Oração" no 3.º Acto. Uma jovem portuguesa, a soprano Ana Maria Pinto, brilhou como Jovem Pastor e os restantes cantores - Jun-Sang Han (Walther), Luís Rodrigues (Biterolf), Dietmar Kerschbaum (Heinrich) e Nuno Dias (Reinmar von Zelter) - mostraram-se em geral convincentes.

Cristina Fernandes

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