Torne-se perito

Fundador da Mozart diz que querem isolar a loja para destruir a Ongoing

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Daniel Rocha

Em 2006, Neto da Silva fundou a loja maçónica que hoje domina o debate público nacional. Fala dos seus irmãos, das acusações e do poder que diz não ter

Nas últimas semanas, a loja que fundou em 2006, a Mozart, um dos ramos da Grande Loja Regular de Portugal (GLRP), tem estado no centro das atenções devido à sua composição: estão lá Jorge Silva Carvalho, ex-chefe das "secretas", e altos quadros do grupo Ongoing. António Neto da Silva, de 63 anos, maçon desde 1995, diz que a Mozart e Silva Carvalho estão a ser usados com um objectivo concreto: destruir a Ongoing. Ex-secretário de Estado de Cavaco Silva e dirigente nacional do PSD durante a liderança de Durão Barroso, este empresário na área da engenharia espacial garante que os membros da loja são "pessoas de bem" e assegura que não existem "irregularidades" na Mozart.

José Manuel Anes, ex-grão-mestre da GLRP, afirmou que Jorge Silva Carvalho (J.S.C.) "tomou conta" da Mozart e transformou-a num projecto de poder e ambição pessoal. Como responde a estas acusações?

Não faz sentido. Ninguém pode tomar conta de uma loja. Projectos de poder pessoal não são possíveis na medida em que os maçons são homens livres e não recebem orientações nem da GLRP - a não ser para questões estritamente maçónicas. Falar em projecto de poder pessoal é estranho. Se houvesse um projecto de poder, como é que se concentrava numa loja? Há 63 lojas na GLRP.

Na Mozart há pessoas particularmente poderosas e um triângulo entre "secretas", empresários e políticos. É possível imaginar que se podem tirar vantagens.

Esse tipo de acusações não resiste a um momento de reflexão. O que está criada é uma suspeição. O J.S.C. não está acusado rigorosamente de nada. Há apenas suspeitas.

Há investigações em curso no Ministério Público. E se vier a ser acusado?

Naturalmente o grão-mestre poderá decidir abrir um inquérito. Mas o normal seria a própria pessoa ir para adormecimento. O certo é que J.S.C. não está acusado de coisa alguma. Há suspeitas que os órgãos de informação têm criado e as pessoas são condenadas na praça pública.

Vasco Lourenço falou em gangs na Maçonaria e Anes disse que mais irregularidades viriam a lume.

O José Manuel Anes precisa de ajuda e não farei mais comentários. Se há irregularidades, eu digo-lhe com certeza absoluta que elas não existem na loja Mozart.

Que motivações têm estas pessoas que criticam a Mozart?

Anes é um membro da Maçonaria, embora auto-suspenso, e ajudarei sempre que puder.

Estas acusações não o incomodam?

Incomodam-me muito. Quando as pessoas entram para a Maçonaria, pretendemos que absorvam os princípios para nortear a vida individual e colectiva: tolerância, fraternidade, solidariedade e defesa intransigente da democracia. Na Maçonaria, como qualquer organização, há sempre desvios. Há pessoas que vão para lá com intenções que não eram as que nos convenceram a convidá-las.

Foi isso que aconteceu na Mozart?

Não. Devo dizer que há suspeitas criadas que não resistem a um momento de reflexão...

Quais suspeitas?

A de que J.S.C. tenha passado informações para a Ongoing, enquanto ainda era director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e depois disso. Um homem que transmite informações eventualmente ilegais para uma empresa, como é que depois vai para a administração dessa empresa?

Precisamente por isso.

Se porventura houvesse alguma coisa ilegítima, havia a possibilidade de pagar-lhe sem que ninguém visse. Por que é que J.S.C. iria para a administração da Ongoing? Seria confrangedor e naiveté um indivíduo que passou informações ilegais a um grupo empresarial tenha depois ido para a administração desse grupo. Mas vamos admitir que seriam tão pouco inteligentes que fariam isso. Se assim fosse, então não são perigosos. Tratar-se-ia de um projecto de poder condenado ao fracasso. É preciso fazer uma reflexão sobre as suspeitas que têm sido lançadas para cima de pessoas de bem. E têm levado com elas toda a loja Mozart. E porquê? Por que é que não se fala das outras lojas? Simples: há um objectivo de destruição de um determinado grupo económico.

A Mozart e J.S.C. estão a apanhar por tabela?

Se vir a forma como as notícias têm sido expandidas, é claramente uma tentativa de dizer: a Maçonaria é toda boa, mas a Mozart é um conjunto de bandidos. Há uma tentativa de isolar a loja Mozart.

Estando a Mozart e J.S.C. no meio de uma guerra entre empresas, o que é que a loja pode fazer para contrariar a situação?

Não pode fazer grande coisa, apenas aquilo que estou a fazer: mostrar-vos claramente como funciona a Maçonaria. A única coisa que cada membro, por si e não em nome da loja, pode fazer é manifestar solidariedade à pessoa que está a ser alvo de suspeitas. É isso que significa ser irmão. Neste momento, há uma guerra, desatam aos tiros e depois morrem civis dos dois lados. A perplexidade é muita: não temos nada na nossa consciência, a não ser sentirmos que estamos a trabalhar para um mundo melhor.

Este assunto foi discutido em reuniões recentes?

O J.S.C. não vai à loja há bastante tempo, desde que esta guerra começou, há cerca de três, quatro meses.

Isso é uma auto-suspensão?

É uma reserva correcta, uma atitude extremamente digna de um homem que, estando a ser objecto de suspeitas, se afasta para não causar perturbação.

Ele deu alguma justificação?

Disse que ia deixar de participar nas reuniões até isto tudo ficar esclarecido.

Já pensou em dissolver a loja?

Não. Mas o que é que interessa? Dissolve-se a Mozart e nós fazemos outra. Mas por que é que haveríamos de o fazer? Preocupa-me que as pessoas de bem que estão na Mozart - e para mim são todas - estejam a ser buscadas por jogos de poder de um determinado grupo contra um outro empresarial. Há claramente o objectivo de isolar a Mozart, onde há pessoas da Ongoing, e fazer da loja um grupo de bandidos para depois destruir um objectivo não confessado. Tenho pessoas de uma grande dignidade na Mozart que, obviamente, estão a passar uma fase terrível. Para além dos que já não vão avançar na sua vida profissional, há muitas outras pessoas que estão com o anátema em cima da cabeça e perplexos com o facto de estarem a ser vilipendiadas, com o seu nome nos jornais, e a entrarem na sua vida privada. E não há nenhuma entidade responsável neste país a dizer: acabou a brincadeira. Se há alguma coisa para investigar, investiguem. Agora assim não! Não andem a lançar para cima de pessoas de bem anátemas de banditismo.

Que entidade poderia ser essa? O Presidente da República, o primeiro-ministro?

Órgãos de soberania, evidentemente. Os garantes da Constituição têm de se pronunciar, e de uma forma firme.

A Ongoing tem argumentado que se trata de uma campanha da Impresa e do Expresso para destruir o grupo. Mas muitos maçons de Portugal apontam o dedo a esta loja, distanciando-se.

A única pessoa que vejo apontar o dedo foi o antigo grão-mestre.

Ainda anteontem Ricardo Sá Fernandes escreveu sobre o caso, Vasco Lourenço também.

Quando alguém está numa fase complicada, toda a gente vem dar porrada, sobretudo os que querem protagonismo público. É possível que muita gente tenha entrado para a Maçonaria com o objectivo de se aproveitar dela. Mas esses não duram lá muito tempo. À terceira ou quarta sessão, percebem que aquilo não é o que pretendiam.

J.S.C. está há quanto tempo na Mozart?

Desde o início, em 2006.

Cinco anos não é muito tempo. J.S.C. pode estar prestes a adormecer, seguindo essa ideia de que não encontrou lá o que queria.

Não. Aconteceu na Mozart um nível de mortalidade que nem é normal. Muita gente entrou, fez a iniciação, esteve numa reunião e desapareceu. Estou a pensar numa pessoa em concreto. Outra esteve em quatro reuniões e não apareceu mais. O que existe na Maçonaria é um conjunto de homens livres. Não discutimos política ou religião nas reuniões.

Mas fazem-no depois das reuniões, em encontros mais informais.

Há os Ágapes, os jantares. Aqui, normalmente, fazem-se os cumprimentos ao Presidente da República, mostrando respeito pela lei e pela pátria, e cada um de nós fala sobre a sua área profissional. Cada um apresenta teses sobre em que sentido vai o mundo ou sobre a sua experiência profissional.

Sendo uma tertúlia, porquê o secretismo?

Mas aí não há secretismo. Vamos para os restaurantes normais, embora procuremos sempre uma sala reservada.

Por que é que criou a Mozart?

A loja anterior, a Mercúrio, já tinha muita gente, cerca de 40 pessoas.

A Mozart nasceu de uma cisão com a Mercúrio, que tinha muitos jovens do PS?

Foi pelo número e pelo facto de começarem a surgir fugas de informação. Há muitos socialistas, sociais-democratas e centristas em todas as lojas. Não faz sentido existir apenas uma cor política numa loja. O grande objectivo da Maçonaria é passar para a sociedade, através dos seus membros, os princípios fundamentais da defesa da democracia, da tolerância e da liberdade. Essa é a função da Maçonaria. Além do aperfeiçoamento pessoal.

Que tipo de fugas?

Apareceram em público nomes. A Mozart era, e sublinho era, uma loja mais discreta do que as outras. Precisamente porque vínhamos traumatizados com o aparecimento de nomes. Ficámos mais fechados porque sentimos que deveríamos ter cuidado, devido aos cargos profissionais dos membros.

É fácil pensar em "aperfeiçoamento pessoal" com poetas e filósofos, mas não com a administração em peso de uma empresa e ex-espiões.

Há maçons que estão na Ongoing, mas o processo não aconteceu como tem sido tratado nas notícias. Houve maçons da Mozart que, num determinado momento, terminaram as suas funções. Aconteceu com J.S.C., que, depois do SIED, foi convidado para uma empresa por uma pessoa que o conhecia bem. Já aconteceu antes. Na Maçonaria, temos o dever de fraternidade. Se conheço bem uma certa pessoa, seja ela meu irmão ou amigo, e se, em igualdade de circunstâncias, ela tiver capacidade para o desempenho de uma função, eu dou-lhe preferência. Não vou buscar pessoas só porque são maçons. A Ongoing não andou a meter maçons na loja.

Como é que seleccionou os membros da Mozart?

Pensámos em colocar pessoas que potencialmente poderiam, de forma eficaz, transmitir os valores da democracia, tolerância e solidariedade. Procurámos convidar pessoas que já estavam realizadas em termos profissionais e com capacidade para, um dia, se porventura viessem a assumir cargos de responsabilidade, pudessem transmitir estes valores.

Há portanto o objectivo de escolher pessoas que um dia venham a ter cargos de poder?

Não têm de ser ministros, podem estar numa ONG. Estamos a falar de cargos em que a pessoa seja de referência, defendendo estes valores e transmitindo-os à sociedade. Toda a gente pode ser maçon, desde que acredite num ente superior e seja um homem de bons costumes. O ponto máximo de um maçon é aquele em que as pessoas à sua volta digam: este é um homem bom. Não é essa, infelizmente, a percepção pública. A percepção é: os maçons são uns malandros que, às escondidas, tentam resolver a vidinha deles. É por causa desta leitura que, quando as lojas têm pessoas mais expostas, os maçons têm de ser muito discretos.

Essa percepção não tem a ver com o facto de ser anacrónica a existência de sociedades secretas num Estado livre e democrático?

Quando fui convidado, em 1995, disse logo "não!". Depois li e tive outra leitura. E mesmo quando fui iniciado, tive que me conter para não me rir com os rituais, o avental... Hoje, estou muito satisfeito por ter entrado. Estas sociedades não são secretas, são discretas. Trata-se de uma instituição legal, com estatutos.

O que é que uma loja ganha em ter irmãos com cargos relevantes no poder político?

A loja não ganha nada, a Maçonaria ganha. É importante haver maçons em posições específicas com a consciência de que devem transmitir os valores à sociedade e orientá-la nesse sentido. Se estiverem em cargos de poder, e tendo absorvido esta escola de valores, eles próprios vão trabalhar esses valores. Muitas vezes o recrutamento é feito por amizade e proximidade. Neste momento há um ataque claro à democracia. Há suspeitas sem qualquer acusação e sem condenação que são ataques aos fundamentos da democracia. A Constituição prevê a protecção contra a discriminação e a liberdade de associação, além da liberdade de consciência. Estamos a assistir a um ataque aos mais elementares direitos sem que ninguém se levante e se oponha a esta violação escandalosa da Constituição. Não me interessa a que organizações os funcionários públicos pertencem, é um assunto do foro íntimo.

Nos momentos em que há valores em crise, como diz, a desconfiança é exponenciada.

Há pessoas que atingiram certos patamares profissionais que têm medo de entrar na Maçonaria. Se os queremos temos de lhes garantir que a identidade será reservada. Não se querem expor porque podem existir consequências. Neste momento, há membros da Mozart que iam para postos novos e já não os vão ter. Porquê? Então as pessoas agora são condenadas só porque pertencem à loja Mozart? Há uma clara e muito bem estruturada linha de isolamento de uma loja, dizendo estes são os maus, os outros são os bons. Isto é inadmissível.

Nunca influenciou ninguém para beneficiar um irmão?

Beneficiar em quê?

Num negócio, num concurso...

Se houver um irmão que precise de emprego, tentarei falar com os meus contactos para saber se há hipótese de a pessoa ser admitida.

Já o fez?

Fiz, duas ou três vezes, sem sucesso. Se tivéssemos o poder que nos é atribuído, nenhum amigo meu estaria desempregado.

E tem?

Tenho. Até tenho uma filha desempregada.

Já saíram pessoas da loja?

Este é o momento de clarificação. É nestes momentos que sabemos quem são os verdadeiros maçons. Algumas pessoas eclipsaram-se, assustaram-se. Estarão a ter consequências na sua vida profissional. Estão adormecidas.

Na Assembleia poderá vir a ser debatida a ideia de titulares de cargos públicos serem obrigados a declarar se são da Maçonaria.

Concordo com uma coisa: cada um deve fazer o que a sua consciência lhe disser. Nenhum país democrático tem essa obrigatoriedade. Eu sou maçon e grito isso onde for preciso.

A ministra da Justiça defendeu que ser-se maçon deve ser declarado.

A ministra está mal informada sobre a Maçonaria. Proferiu essas afirmações sem perceber, tal como a grande maioria das pessoas, o que é a Maçonaria.

A deputada Teresa Leal Coelho sabe o que é a Maçonaria?

Não conheço.

O seu relatório do PSD aponta para ligações entre J.S.C. e "conluios de poder" e para as relações entre as chefias das secretas e ramos da Maçonaria, qualificados como "grupos de pressão".

Quem fez esse relatório ou tem provas e dá o passo a seguir para uma acusação ou não está informado sobre o que é a Maçonaria.

Como é que isto vai acabar?

Não controlamos o ataque feito à Mozart e não temos força para ter qualquer controlo sobre a forma como isto vai acabar. Mas garanto-lhe uma coisa: acaba comigo maçon, a ajudar os meus irmãos para se libertarem desta difamação.

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