De que lado estamos, afinal?

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Oito mulheres à beira de um ataque de nervos, entre uma casa e um jardim. A nova peça da Mala Voadora desdobra-se em duas

Na origem de "Casa & Jardim", a peça escrita pelo britânico Chris Thorpe e que a Mala Voadora apresenta no Centro Cultural de Belém (CCB) até ao próximo dia 17, está "House & Garden", peça de 1999 de Alan Ayckbourn. Mas 2012 não é 1999, e, se a estrutura do texto interessou ao encenador Jorge Andrade, da Mala Voadora, o tema pareceu-lhe datado.

"Não nos interessava muito o tema da classe média britânica, com uma casa de campo onde se preparava uma festa, e em que a casa simbolizava de certa forma a opressão que a sociedade impunha ao indivíduo e o jardim um espaço mais lúdico", explica Jorge Andrade. "O que nos interessava era pegar no dispositivo, na ideia de muro, do que está de um lado e do outro."

Thorpe aceitou mais um desafio da Mala Voadora: criar uma peça com os mesmos "princípios mecânicos" da de Ayckbourn, mas "não necessariamente usando as mesmas convenções ‘elegantes'", explica o próprio, num texto de apresentação. Ficou portanto a estrutura - uma peça que acontece simultaneamente em dois espaços, um interior e um exterior (na peça de Ayckbourn eram efectivamente uma casa e um jardim, na da Mala Voadora temos um apartamento e o jardim comum do edifício), com as personagens a moverem-se entre um e outro, mas o público a ver apenas um de cada vez.

Expliquemos melhor. O pequeno auditório do CCB foi dividido em dois, e o público será também dividido em dois grupos. Um deles vê a primeira parte da peça dentro da casa; o outro no jardim. No intervalo os grupos trocam de lugares e a peça repete-se (com ligeiras mudanças). Para entender o que se está a passar com aquelas oito mulheres é preciso ver as duas metades da peça.

E o que se passa, então, com as oito mulheres (Anabela Almeida, Carla Bolito, Crista Alfaiate, Joana Bárcia, Mónica Garnel, Paula Diogo, Sílvia Filipe, Tânia Alves)? São oito mulheres em 2012, e por isso estão indignadas. Mais do que indignadas, estão revoltadas com o mundo à volta delas, e sentem que têm de intervir.

"A maior parte dos textos que escrevi [...] surgiram conforme a minha obsessão do momento", escreve Thorpe. "Como em ‘Overdrama', que escrevi para a Mala Voadora no ano passado, ‘Casa & Jardim' não é uma peça narrativa, mas é influenciada pelos sentimentos vividos durante as semanas em que a escrevi", explica o autor. "Enquanto ‘Overdrama' estava relacionada com explosões de violência e agitação civil, ‘Casa & Jardim' foi escrita num período de percepção e espanto. Percepção de que os mais fracos não vão ser magicamente protegidos pelo sistema que tende a reduzir todas as transacções sociais a números, e espanto num mundo economicamente vacilante e preocupado em mostrar-nos o pior de cada um."

Entre a consciência de que a História não chegou ao fim, de que há hoje um sentimento de revolta para o qual falta um manifesto, de que é difícil lutar em conjunto "num mundo em que se fomentou o individualismo", e em que já ninguém sabe bem o que é realidade e o que é ficção, as oito mulheres de "Casa & Jardim" procuram uma forma de agir. "Parece que está tudo a desmoronar-se", diz Jorge Andrade. "Como é que nos conseguimos encontrar para encontrar uma forma de sair deste impasse?".

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