Excesso de ajustes directos agrava custos das obras lançadas pela Câmara de Lisboa

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As deficiências dos projectos explicam muitos dos gastos em trabalhos a mais Alexandre Afonso/arquivo

Vereador Nunes da Silva fez um relatório que aponta para grandes problemas na contratação de obras pelos serviços que tutelava. Pouco depois António Costa retirou-lhe o pelouro.

O reduzido número de concursos públicos lançado pela Câmara de Lisboa para adjudicar as obras que promove, quando comparado com a quantidade de adjudicações feitas por ajuste directo, é susceptível de provocar o agravamento dos custos das empreitadas. A conclusão é do anterior vereador responsável pelo pelouro das Obras Municipais, Fernando Nunes da Silva, e consta de um relatório por ele enviado, no início do ano passado, à Comissão para a Promoção das Boas Práticas criada pela autarquia em 2008.

Intitulado Obras Públicas Municipais - o Estado da Arte, o documento serviu de base a uma recomendação dirigida pela comissão, em Abril, ao presidente da câmara, António Costa. O texto da recomendação refere que o relatório de Nunes da Silva identifica mais quatro factores relacionados com os problemas existentes nos serviços de obras. São eles: a realização de um grande número de empreitadas "ao abrigo do estado de necessidade" (figura que legitima actuações à margem da lei); a vulgarização dos trabalhos a mais; o pagamento frequente de "quantias muito elevadas" em juros de mora devidos a atrasos de pagamento aos empreiteiros; e a inexistência de uma base de dados de custos unitários actualizada.

De acordo com fontes camarárias, que pediram para não ser identificadas, o documento dedica especial atenção ao abuso dos ajustes directos naqueles serviços e tira algumas conclusões delicadas, que apontam para a concentração das adjudicações num número muito reduzido de empresas. O PÚBLICO tentou confirmar esta informação junto de Nunes da Silva, mas este recusou-se a falar sobre o assunto, argumentando que não lhe cabe a ele divulgar o conteúdo do documento. António Costa, por seu lado, nunca respondeu aos sucessivos pedidos do PÚBLICO para lhe facultar o documento (ver caixa).

Além do relatório de Nunes da Silva, a recomendação da Comissão para as Boas Práticas baseou-se nos comentários do então director municipal das obras, e dos seus directores de departamento, às conclusões do vereador. Nesses comentários os responsáveis pelos serviços atribuem a impossibilidade de lançar mais concursos públicos, com melhores condições para o município, à falta de programação "mais atempada e transversal" das obras por parte dos diferentes vereadores. Quanto à "generalização dos trabalhos a mais", que implicam pagamentos adicionais, explicam-na com as insuficiências dos projectos e com as alterações solicitadas já durante as obras pelos vereadores. Estes são igualmente responsabilizados pelos directores dos serviços pela classificação de "estado de necessidade" frequentemente atribuída às obras.

Na sua recomendação, a comissão presidida por Luís Barbosa defende a necessidade de todas as obras dependerem exclusivamente do vereador que tem esse pelouro e serem centralizadas na respectiva direcção municipal. A criação das figuras de líder de obra e de revisor de projecto são também propostas, tal como a actualização da base de dados de custos unitários. Sugeridas são ainda a redução das alterações em obra e a adopção do visto prévio da tesouraria, para evitar situações que levem ao pagamento de juros de mora.

Pouco depois da apresentação do relatório e dos comentários dos serviços, António Costa afastou o director municipal de Projecto e Obras e, coincidindo com a reestruturação orgânica da câmara, retirou o pelouro das Obras Municipais a Nunes da Silva, entregando-o ao vice-presidente da autarquia, Manuel Salgado.

O PÚBLICO tentou saber junto do anterior vereador do pelouro se havia alguma relação entre a sua substituição naquele pelouro e o conteúdo do relatório de que foi autor, mas o autarca, eleito pelo Movimento Cidadãos por Lisboa, escusou-se mais uma vez a falar sobre o assunto.

Autarquia não responde a pedido de relatório

Faz hoje três meses que o PÚBLICO requereu à Câmara de Lisboa, através da Comissão para a Promoção das Boas Práticas, uma cópia do relatório subscrito por Nunes da Silva sobre o funcionamento dos serviços de Obras do município.

Passadas três semanas, os três membros da comissão responderam, por escrito, que tinham recebido da câmara a informação de que seria o gabinete de Manuel Salgado "a providenciar a resposta ao requerido" - acrescentando suporem que tal "acontecerá brevemente".

Dias depois, o PÚBLICO reenviou a resposta da comissão e o requerimento para os assessores de imprensa da autarquia e a 9 de Novembro reenviou-os para o gabinete de António Costa.

Paralelamente insistiu repetidamente, por telefone, com a directora do Departamento de Comunicação camarário no sentido de lhe ser dada uma resposta. Face ao silêncio municipal, que ainda se mantém, foi apresentada queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

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