Propostas do Governo dão às empresas 23 dias a mais por ano

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Álvaro Santos Pereira, hoje na OCDE, foi ministro da Economia do actual Governo entre 2011 e 2013 enric vives-rubio

Acordo social está condenado. Em causa, as mexidas que embaratecem o trabalho. No início, o patronato não as queria, mas aceitou-as.

Os trabalhadores vão dar às empresas mais 23 dias de trabalho por ano, caso se aprovem as medidas propostas pelo Governo, a apreciar hoje em reunião do Conselho Permanente da Concertação Social.

A reunião está marcada para as 15h e pretende-se um "compromisso para o crescimento, competitividade e emprego". Mas apenas o lado patronal parece satisfeito. A CGTP mostra o seu descontentamento com o agravamento dos dias de trabalho e também a UGT não volta atrás, garantindo que não dará acordo a um plano que aumenta o horário de trabalho em meia hora diária.

No documento enviado ontem pelo Governo, prevê-se o fim dos três dias de férias adicionais consagrados no Código do Trabalho para premiar a assiduidade. Se a esses dias se juntarem os 16 dias que resultam da meia hora adicional ao horário normal de trabalho (criada para compensar a desistência da "desvalorização fiscal" através da descida da taxa social única) e o fim de quatro feriados nacionais, só aí estarão 23 dias úteis por ano. A esses dias não remunerados, soma-se o corte para metade do preço do trabalho suplementar e com a eliminação de 25% adicionais após a primeira hora extraordinária.

O documento distribuído pelo Governo tem ainda, no entender da CGTP, outras novidades. Passa a haver uma concepção mais vaga para o despedimento individual, ao dar ao empregador a possibilidade de "fixação de um critério relevante face aos objectivos subjacentes" à extinção do posto de trabalho. E o empregador deixa de estar obrigado a encontrar um "posto compatível".

Depois, o Governo vai ao encontro de uma velha reivindicação patronal ao reduzir o período de sobrevigência das convenções colectivas após denúncia por uma das partes, com vista à sua caducidade. Para criar um "incentivo à negociação colectiva e à valorização dos instrumentos de regulamentação colectiva", vai ser reduzido o período de 18 meses em que as convenções se mantêm em vigor. E com o mesmo objectivo, o Governo pretende que a mobilidade geográfica e funcional, horários de trabalho e mesmo a retribuição sejam negociados ao nível da empresa, tanto por comissões de trabalhadores, como por "comissões sindicais" ao nível de empresa. Ou seja, algo que desvaloriza o papel dos sindicatos e da negociação colectiva.

Estas medidas não constam do memorando com a troika. Os próprios responsáveis patronais mostraram-se espantados nas reuniões bilaterais com os sindicatos. Muitas das medidas - como a meia hora adicional - não estavam nas suas prioridades, mas aceitam-nas porque foram oferecidas.

"Vivemos uma espiral regressiva, com políticas monstruosas em termos económicos e sociais", afirma Arménio Carlos, da comissão executiva da CGTP. Do lado da UGT, João Proença garante que pouco vai participar na reunião. "Só haverá acordo com a UGT se a meia hora adicional não estiver sobre a mesa", afirma.

O regresso da TSU

Mas o plano vai ao encontro dos objectivos do memorando. Como refere o relatório da Comissão Europeia ontem divulgado, "as medidas laborais previstas (...) são de maneira a conseguir uma redução substancial dos custos laborais do trabalho suplementar".

E estima-se mesmo que, só os cortes nas indemnizações por despedimento, "de 30 para 10 dias por cada ano de trabalho", redundará numa poupança para as empresas de 3 por cento dos custos laborais.

Em parte, estas reformas foram adoptadas para compensar o afastamento pelo próprio Governo daquela que era a medida de ouro para estimular a competitividade: a desvalorização fiscal. E apesar dos seus efeitos sociais, a Comissão frisa que "dependendo do desenvolvimento da economia, a questão da desvalorização fiscal precisará de ser revisitada no contexto do OE de 2013". E se o relatório do FMI, conhecido anteontem, nada frisara sobre esta possibilidade, ontem o seu chefe de missão Poul Tompson foi categórico: "Esta era uma medida-chave do programa e a decisão de não a aplicar criou um buraco na agenda das reformas estruturais", afirmou. E o alargamento do horário de trabalho em meia hora diária "não chega" e que o próprio Governo "reconhece isso", visto que está a trabalhar em mais alternativas.

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