Uma cimeira
Quem viu a procissão de automóveis numa ordem impecável regorgitar à porta da Cimeira a enorme legião dos poderosos da "Europa" ficou provavelmente a pensar que lá dentro as coisas se passariam com a mesma eficiência e regularidade. Mas desconfio que não foi nada disso. Primeiro, que língua falam entre si os notáveis que nos governam? Há 18 ou 19 línguas na "Europa" dos 27 e com certeza, fora a sua, nenhum deles fala mais do que uma ou duas. Trazem intérpretes, provavelmente, ou usam o pidgin, que eles julgam ser inglês e se tornou pelo mundo inteiro uma espécie de língua franca; e usam auriculares para seguir a discussão, se por acaso se discute o que quer que seja em lugares tão exaltados. Mas desconfio que em geral ouvem o que se vai dizendo com paciência e compostura e, na sua altura, debitam o recado que trouxeram de casa.
De resto, os grandes países não se interessam pela opinião dos pequenos e os pequenos só se interessam pela dos grandes na medida em que lhes pode atrapalhar a vida. Resultado: toda a gente tentará perceber o que está na cabeça de Merkel e Sarkozy, para promover e defender o que lhe convém e toda a gente irá ignorar o que não o afecta. Suspeito que a "visão" da "Europa" que tanto pedem os devotos não é ainda desta vez que aparece. Gloriosa ou mesquinha, para efeitos práticos, não existe. No fim, e depois de alguma conversa descosida e ambígua, a "Europa" ficará por algumas medidas que não ofendam ninguém ou criem excessivos sarilhos para o futuro. A isto se chama, na calão da seita, "progresso incremental".
Claro que, como os planos de Sarkozy e Merkel, o exercício não parece, nem é particularmente democrático. Mas, por um lado, a "Europa" desde o princípio nunca se distinguiu pelo seu particular amor à democracia e, tirando a Inglaterra, nunca os seus membros se incomodaram excessivamente com esse detestável pormenor que atrasava e embaraçava o seu luminoso caminho para a utopia. E, por outro lado, na altura de um novo alargamento, a Alemanha, a França e os seus comparsas compreendem perfeitamente que os tempos são pouco propícios a qualquer espécie de igualdade. Uma concessão aqui, uma concessão ali e uma dose homeopática de disciplina chegam por enquanto para aguentar o barco. E, se não chegarem, sobra sempre o salvífico recurso a uma Cimeira: decisiva, claro.