Freguesias vão rejeitar reforma que ministro diz ser inadiável

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Aldeias de xisto da Pampilhosa vão ser agrupadas numa freguesia Foto: Paulo Ricca

Associação Nacional de Freguesias garante que "não haverá qualquer poupança" com a extinção das 1800 autarquias que o Governo quer fazer.

Quando Miguel Relvas for hoje encerrar o congresso da Associação Nacional de Freguesias, em Portimão, já terá sido votada a proposta de "chumbo" da reforma administrativa que o Governo quer ter concluída no primeiro semestre de 2012. E de pouco valerá a posição tomada pela maioria dos 1700 participantes no conclave. A mensagem que o ministro dos Assuntos Parlamentares e da Modernização Administrativa leva é a de que a reforma será feita, e dentro do prazo. Em troca, apenas se mostrará disponível para acolher uma reivindicação das freguesias: a gestão dos baldios abandonados.

No documento A Reforma da Administração Local, submetido à apreciação dos 1700 participantes no XIII Congresso da Anafre, o conselho directivo da associação sustenta que a redução da despesa pública não será conseguida à custa das freguesias. Na proposta de dez páginas, a que a Lusa teve acesso, aconselha-se o Governo a explicar à troika que "com a extinção de freguesias não haverá qualquer poupança". Em causa, recorde-se, está o Documento Verde da Reforma da Administração Local e a respectiva proposta de extinção de cerca de 1800 freguesias, num universo de 4259. Isso já representa uma evolução da exigência da troika, que impunha uma redução do número de autarquias, mas que o Governo entendeu limitar às freguesias, poupando os municípios.

O tom crítico das freguesias à reforma foi ontem expresso desde o primeiro momento. A proposta é "redutora nos seus métodos e inútil nos seus objectivos", afirmou o presidente da Anafre, Armando Vieira, logo na abertura dos trabalhos e deixou um aviso: "As pessoas não se moldam por decretos e as vontades não se dobram com imperativos." Por isso o congresso, avisou Vieira, está a ser "marcado por muita intranquilidade e por alguma animosidade".

A reorganização sugerida, dizem os autarcas, "só poderia ser aceite no contexto de uma reforma que obedecesse ao princípio da universalidade e contemplasse integralmente os diversos patamares do edifício administrativo da Estado". Na proposta apresentada, sublinha Armando Vieira, "só as freguesias são reconhecidas como excedentárias, despesistas e responsáveis pelo estado lastimável das contas públicas".

Por isso advertiu: "A reforma, qualquer que ela seja, jamais será conclusiva e pacífica, se não tiver em conta o investimento pessoal e material já introduzido nas dinâmicas locais." É neste nível da administração, sublinhou, que reside a história do Portugal profundo: "Conhecemos o país como ninguém, porque vivemos próximo das raízes que o sustém e junto das pessoas que lhe dão alma."

Ofertas do Governo

Ciente de que esta será uma reforma difícil de levar à prática, o Presidente da República, Cavaco Silva, em carta dirigida aos congressistas, enviou um conselho: "[A reforma] não deixará certamente de ser feita em diálogo aprofundado com os representantes directos das populações." E hoje Miguel Relvas dará conta que o ouviu, pois dirá, como foi adiantado ao PÚBLICO pelo seu gabinete, que esta reforma "será feita com os autarcas e não contra os autarcas", "com as pessoas e não contra as pessoas". Mas assumindo esse compromisso, deixará claro que ela "precisa de ser feita" e "sem mais adiamentos".

Relvas vai também garantir que "o Governo não está a acabar com as freguesias. Pelo contrário. O Governo conta com as freguesias e conta com todos os presidentes de junta".

E o que tem o Governo para dar às freguesias em troca de uma reforma que elas não querem? O discurso de hoje do ministro vai avançar com duas pistas. Por um lado, que a intenção do Governo é "procurar soluções e encontrar mecanismos para que os baldios possam ser geridos pelas juntas de freguesias, em caso de manifesta falta de competência e seguimento das regras básicas de transparências das comissões de compartes".

Por outro, Miguel Relvas vai tocar num ponto sensível das reivindicações destes autarcas: "Sabemos que são ainda muitos os municípios que resistem activamente à transferência de competências e dos respectivos envelopes financeiros para as juntas de freguesias. Temos de ultrapassar este espírito de resistência." Não chega a ser resposta concreta à reivindicação da Anafre de a transferência de meios financeiros para as freguesias sair diretamente do Orçamento do Estado e não ser suportada pelo orçamento do município. Mas é um princípio.

E a reforma avança...

Há pelo menos seis municípios onde a reforma das freguesias está a avançar, graças à iniciativa dos seus autarcas: Lisboa, Gaia, Amadora, Arganil, Pampilhosa da Serra e Figueira de Castelo Rodrigo. Se a de Lisboa é a mais mediática, a da Pampilhosa da Serra é a mais avançada. Segundo fonte do gabinete de Miguel Relvas, a câmara dirigida por José Brito (PSD) foi a primeira a fazer e a acabar a reorganização do território, ainda antes de a legislação estar concluída. Na Amadora, Joaquim Raposo (PS) afirmou ao PÚBLICO ter em cima da mesa três soluções técnicas que cumprem o Livro Verde e respeitam a realidade do concelho, pensando que nos próximos três meses o processo deverá estar acabado. Em Arganil foi criado um grupo de trabalho para estudar a fusão. De Gaia Luís Filipe Menezes defendeu ontem a reforma, frisando que "não se fala de extinguir nada", mas em "fundir a funcionalidade da gestão, mantendo-se os nomes e identidades".

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