Eleanor Friedberger, diva com saudades da adolescência

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Desde 2003 foi a voz dos Fiery Furnaces, duo que mantinha com o irmão REBECCA BENGAL

Tristes porque os Fiery Furnaces resolveram tirar umas longas férias? Não faz mal: há um disco a solo de Eleanor Friedberger. E bem mais cantarolável que o sobrenome da senhora.

Questão importante: qual é a melhor sensação que uma mulher pode conhecer? A resposta estará quase de certeza nas páginas da magnífica revista "Happy", mas não para Eleanor Friedberger, que é uma menina diferente. A melhor sensação que a antiga musa dos Fiery Furnaces alguma vez sentiu foi a de estar no palco, sozinha, acompanhada de uma guitarra. Porque é nesses momentos que atinge o êxtase da sua existência, quando "por cinco minutos" se sente "como o Bob Dylan".

Esta não é uma rapariga normal. Desde 2003 foi a voz dos Fiery Furnaces, duo que mantinha com o irmão e conhecido pela mania de mudar de som mais depressa que uma dona de casa aborrecida faz obras na sala de estar. Nunca deixando de ser melódicos, os Furnaces traziam para o seu circo sonoro - e distorciam - todas as modinhas que meio século de música popular deixou por aí ao desbarato. Com o tempo, o interesse à volta do duo, ainda que não tenha crescido ao ponto de pôr o nome da banda a letras garridas nas tabelas de vendas, tornou-se em culto fervoroso.

Há meses os Furnaces deram por encerradas as actividades. Para alento dos fãs essa má notícia veio acompanhada de duas boas notícias. A primeira é que nem tudo está perdido e um dia a banda pode voltar: "A beleza de ter uma banda com o meu irmão é que não se termina nunca. Nada nos impede de regressarmos quando tivermos 40 anos". A segunda é que Eleanor não se deixou estar quieta e resolveu fazer um disco a solo, "Last Summer", que não faz figura menor face às rodelas que pôs cá para fora com o irmão.

Homenagem à adolescência

"Nos últimos 10 anos fiz sempre a mesma coisa: cantar o que o meu irmão compunha. E isso torna-se aborrecido", contava-nos Eleanor, há meses, numa esplanada de um café em Lisboa. No dia seguinte tocaria em Coimbra no aniversário da RUC [Rádio Universitária de Coimbra] e por companhia trazia apenas a guitarra que a faz sentir como Bob Dylan.

A roupa trai o seu imaginário: as botas às anos 1960, a camisa de colarinho comprido à década 1970, toda ela é cultura pop da franja aos pés. "Nós [ela e irmão] somos assumidamente totós que viveram para coleccionar discos", dizia, beberricando um café português que não lhe desgostou. "Aliás, em parte o disco é uma homenagem à música que ouvia na adolescência. É uma homenagem à adolescência e aos lugares por onde passei, mas também uma homenagem à música que ouvia".

Neta e filha de gente ligada à música, passou os vintes a dar voz às composições do irmão. "Era difícil levar canções minhas para os Fiery Furnaces. O meu irmão tinha muitas ideias e sabia exactamente o que queria fazer". Findos os Fiery Furnaces, o mano "mudou de terra" e "deixou o teclado lá em casa". E foi então que Eleanor sentiu um estranho apelo: "Nem sequer toco piano, mas tive uma vontade enorme de ver se era capaz de compor uma canção sozinha. E acabei por fazer o disco todo ao piano".

Friedberger começou "Last Summer" apenas "para saber se era capaz". "Era um teste - queria provar a mim mesma que sou uma compositora. E vamos ser sinceros: sou mulher e cantora. Não ia começar uma carreira a solo aos 45 anos. Era agora ou nunca". Como boa marrona obcecada pela cultura pop, rapidamente o disco se tornou outra coisa: uma procura quase adolescente de imitar os seus heróis - que, obviamente, "não resultou". Sendo que uma boa parte do charme do disco reside exactamente nesse não resultar.

Ouvir a senhorita Eleanor descrever o que queria de uma canção e como a compôs é como ouvir um miúdo de 12 anos que só tira cincos descrever como dissecou um sapo: há uma mistura de timidez com entusiasmo juvenilesco que inevitavelmente descamba para revisões da matéria dada.

Por exemplo, acerca de "Roosevelt Island", uma espécie de funk branco bem conseguido, ela atira: "Ao início só tinha a linha básica. Depois percebi que queria que soasse a Stevie Wonder". O que ela diz a seguir a caricato: não foi à procura de um teclista, foi "à procura de um teclista que soasse a Stevie Wonder".

E o desfiar de referências começa: ora queria fazer uma canção à Roxy Music (presumimos que se refira a "My mistakes"), ora queria cantar à Lou Reed (não há nenhuma canção que soe a Lou Reed), ora queria um som à John Cale. Quando diz pela primeira vez John Cale a timidez desvanece-se e dá lugar a um entusiasmo de Lolita: ela passa uns bons dez minutos a recordar as vezes que encontrou Cale, descreve a pose do senhor junto a uma piscina, de óculos de sol e tanga, uma imagem vagamente repugnante mas que a põe quase aos gritinhos.

É curioso como a imagem de uma pessoa se altera quando damos de caras com ela. Olha-se para aquela rapagona de calções curtos nas imagens de promoção dos Fiery Furnaces ou a beijar Britt Daniel, o vocalista dos Spoon, no vídeo de "My mistakes" (sacana sortudo) e imagina-se uma mulher seguríssima nos seus 34 anos de idade. Diz-se "John Cale" e sai-nos uma garota de 14 anos com borbulhas.

"Cheguei àquela idade em que posso olhar com nostalgia para os ex-namorados, em que posso ter saudades de descobrir Nova Iorque [onde viveu] ao lado de um rapaz [Britt Daniel, sacana]. Em que posso ser adolescente outra vez", diz ela, em jeito de justificação. "Talvez por isso quisesse fazer um disco pop e imediato, que fosse agradável mas que não soasse a música de fundo".

Depois, e porque uma vez totó sempre totó, volta às referências: "Queria que fosse um disco da Carole King", diz, antes de completar em perfeito registo de diva indie: "Mas falhei". No problemo, Eleanor: adoramos-te à mesma.

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