Free jazz: 10 discos (parte 3)

O Bodyspace seleccionou uma dezena de obras do "free jazz", estilo surgido em meados da década de 60

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Angela Costa

Ornette Coleman - "The Shape Of Jazz To Come" (1959)

Atlantic

Se a liberdade e o improviso estão inscritos no código genético do jazz, este disco deu passos em frente (grau de improvisação simultânea; papel dos acordes…) em relação à herança recebida, que, ainda assim, não deixa de reflectir. Em comparação com o que Ornette Coleman viria a fazer mais tarde, este até é um disco acessível (com "swing" e assinalável sentido de melodia), mas ao apontar futuros caminhos tornou-se um trabalho revolucionário no seu tempo e que permanece fundamental nos nossos dias. Temas como “Lonely Woman”, “Peace” ou “Congeniality” – nos solos de Coleman e Don Cherry, mas também nos ritmos cruzados de Charlie Haden e Billy Higgins – fluem como um rio de águas mais ou menos bravas e que não se deixam limitar pelas margens: partem da melodia para serpentear em várias direcções, através de explorações sonoras sem amarras ou rotas pré-definidas. Um pouco como a relação da história para a escrita ou das cordas para o alpinismo - será bem mais arriscado (mas também muito mais gratificante) construir uma narrativa ou escalar uma montanha sem recorrer a estas ferramentas. "The Shape Of Jazz To Come" foi uma obra-charneira na revolução musical que estava em marcha no espírito do seu autor, como os títulos dos álbuns que este tinha lançado antes ("Something Else!!!!"; "Tomorrow Is The Question!") preconizavam e aqueles que viria a editar depois ("Change Of The Century"; e sobretudo "Free Jazz") haveriam de confirmar.


Matana Roberts - The Chicago Project (2008)

Central Control

O nome é em si apelativo. Provindo do hebraico, Matana significa “dádiva” e esta saxofonista norte-americana tem tentado fazer jus ao nome, não só em nome próprio (como neste Chicago Project dedicado à sua cidade natal), como também enquanto acompanhante de certos colectivos canadianos, uns de acrónimo GY!BE, outros chamados variações de Silver Mt. Zion. Chicago Project foi o primeiro álbum na Central Control (em 2011 já lançou pela Constellation) e impressiona não pelo estrebuchar tresloucado do saxofone, mas pelo entrelaçado de um som moderno ligado ao free jazz e dos muito presentes aspectos clássicos. Logo em Thrills compreende-se o espírito antigo no corpo jovem de Roberts, quando no espaço de apenas quatro minutos é capaz de dar azo a esses clássicos no começo, lançando uma pitada de desvario a partir de metade e regressando a casa para finalizar. O ponto alto do álbum é a evidente "Love Call", uma canção de amor que passa por brado desesperado em busca de algo, de alguém, de uma resposta. O álbum podia (e devia) encerrar com "For Razi", mas Roberts preferiu acrescentar uma frase mais após esse ponto final. Quem sou eu para negar o começo inevitável na sequência de um qualquer fim?

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