Halterofilismo: Vasili Alexeyev (1942-2011), a grua humana

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Ao longo da carreira, Alexeyev estabeleceu 80 recordes mundiais Foto: DR

Barriga proeminente, patilhas e o reduzido equipamento vermelho da União Soviética. Era a figura inconfundível de Vasili Alexeyev, o mais famoso halterofilista da história, que morreu na sexta-feira, na Alemanha, devido a problemas cardíacos, aos 69 anos. A revista “Sports Illustrated”, em 1975, classificou este russo como “o homem mais forte do mundo” e a verdade é que o seu currículo não tem paralelo no desporto mundial: 80 recordes mundiais, dois títulos olímpicos, oito títulos europeus e oito títulos mundiais.

O halterofilismo foi para Alexeyev uma vocação tardia. Nascido em Shakhty, uma pequena cidade mineira a cerca de 1300 quilómetros de Moscovo, Alexeyev começou por ser jogador de voleibol e só chegou ao levantamento de pesos aos 19 anos. Como a natureza do desporto mudou, mudou também o seu tipo físico. Em menos de dez anos, ganhou 70 quilos, mas não em gordura, como a sua barriga poderia sugerir. Eram 160 quilos de músculo, força pura combinada com agilidade e rapidez de movimentos. Só assim conseguia levantar enormes cargas, com mais de 200 quilos. E nem era demasiado alto para um homem do seu peso. Tinha “apenas” 1,81m.

Em 1970, com 28 anos, alcança o primeiro dos seus 80 recordes mundiais – foi o primeiro homem a ultrapassar os 600kg nos três movimentos (actualmente, são apenas dois, o arranque e o arremesso) – e conquista, em Columbus, o seu primeiro título mundial de superpesados (+110kg), que ficaria na sua posse até 1977. Em Munique 1972, conquistou o seu primeiro título olímpico, repetindo o ouro em Montreal 1976, com quase 40 quilos de diferença para Gerd Bonk, da RDA, medalha de prata.

Com o seu domínio interrompido em 1978, Alexeyev ainda tentou um terceiro título olímpico aos 38 anos, em Moscovo 1980, mas falhou todas as tentativas e abandonou a alta competição. Alexeyev sempre achou que tinha sido envenenado pelo seu treinador: “Aconteceu dez ou 12 minutos antes de subir à plataforma. A razão foi simples: ele foi subornado para garantir que a medalha de ouro fosse para outro [quem ganhou foi o também soviético Sultan Rakhmanov]. Um membro do Partido Comunista esteve envolvido. E foi aqui que a minha carreira acabou. Não fui eu que saltei. Empurraram-me.”

Alexeyev ainda voltou ao halterofilismo como treinador da equipa da Comunidade de Estados Independentes (CEI) que competiu nos Jogos de Barcelona 1992, conquistando dez medalhas. Mas alguns dos seus atletas acabariam por ser apanhados nas malhas do doping e Alexeyev optou por regressar à sua cidade natal, onde trabalhava como engenheiro de minas.

A “grua humana”, como ficou conhecido, podia ser um símbolo do desporto soviético, mas a sua vida sugere que não correspondia, de todo, ao modelo de atleta austero e condicionado apenas para vencer. A reportagem da “Sports Illustrated” foi um raro momento de acesso de uma publicação estrangeira a um atleta da URSS e mostrou um homem que gostava de viver a vida.

Tinha na mesma prateleira livros de Lenine e de Jack London, era fã de Tom Jones, gostava de beber conhaque e era um cozinheiro de mérito. Não tinha treinador e era ele quem definia a sua própria dieta – comia, por exemplo, uma omelete com 36 ovos ao pequeno-almoço – e os seus próprios métodos de treino – praticava o arremesso num rio, com água até à cintura. Métodos bizarros, de acordo com os padrões da alta competição. Mas que resultaram para a “grua humana”.

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