Entre Linhas é mesmo "street art", mas com pregos e lã

Costah e Moreira usam coletes reflectores, martelo, pregos, cortiça e lã. Banksy é urbano. Eles preferem ser rurais

Rua Miguel Bombarda, no Porto
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Rua Miguel Bombarda, no Porto
Há mensagens nas entrelinhas Luís Octávio Costa
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Há mensagens nas entrelinhas Luís Octávio Costa

Antes da conversa com o P3, Costah e Moreira fizeram um desvio para comprar pregos na drogaria. Aproveitaram e abasteceram-se de novelos de lã — infelizmente a cesta de costura da vizinha já está vazia. Pregos, lã, rolhas de pipo, martelo, grosa, canivete, giz e um pequeno escadote. Está tudo.

É uma lista de compras invulgar para um artista de rua, mas a única que faz sentido para esta dupla que já fez trinta por uma linha no mundo da famosa “street art”: “stencil”, “graffiti”, “stickers”, arbustos com olhos na cara, “you name it”...

Durante muitos anos levaram a arte da cidade até Gilhabreu, freguesia de Vila do Conde, “um bocadinho no fim do mundo” onde têm “um quintal com galinhas” (vende-se ovos) e um palco feito de portas abandonadas.

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Os coletes reflectores são o único disfarce Luís Octávio Costa

Agora decidiram inverter a lógica. “Pegamos na cultura tradicional portuguesa e adaptamo-la à vida urbana”, sublinha Costah, contra o “stencil em telas” e cansado da “pose” da “street art”. “O que fazemos é folclórico, é artesanato puro e duro”, reforça Moreira.

O projecto Entre Linhas é simples. Fazem o esquiço a giz e delimitam o espaço com cortiça e pregos. “Depois usamos a lã, que amacia a obra e remete para a nossa infância, para a nossa avó que fazia camisolas”.

Desta vez, o alvo foi a portada de uma casa ao fundo da Travessa do Carregal, no Porto – supostamente uma antiga fábrica de graxa. É de madeira como todas as outras. Está abandonada como todas as outras.

O Estado nas entrelinhas

Mas nas entrelinhas lê-se mais do que simplesmente “street art”. É um alerta, segundo Costah. “Se o edifício não tem dono, pertence ao Estado. Se pertence ao Estado, o Estado tem que tratar dele. Mas não trata. Deixa ficar até cair. É ridículo. É uma pena porque estes edifícios podiam ser usados para muita, muita coisa”.

Costah e Moreira dão o uso possível às portas e portadas. Martelam durante o dia (os carros disfarçam o barulho e a luz poupa-lhes os dedos), não tapam a cara (só vestem coletes reflectores, a sua camuflagem) e não fogem da polícia. “No dia em que formos presos por colocar fios de lã em portas de casas abandonadas será no mínimo ridículo...”

Durante quase três horas tricotam uma ampulheta, pregam uma escultura de cortiça e dão-lhe alternativas: numa mão um carro (símbolo do consumismo) na outra uma rolha para travar a areia que lhe corre sob os pés. “A parte boa da arte é as pessoas serem livres”.

Voltamos à Travessa do Carregal alguns dias depois desta reportagem. Da obra só restava um monte de cinzas.

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