Surto de malária na Grécia sem risco de contágio a Portugal

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A malária há muito que foi considerada erradicada em Portugal pela Organização Mundial da Saúde

Entre Maio e Outubro foram reportados 61 casos na Grécia, o maior surto desde a erradicação da doença na Europa. Especialistas afastam hipótese de o mesmo vir a acontecer em Portugal

É considerado o maior surto autóctone desde a erradicação da malária na União Europeia. Na Grécia, entre 21 de Maio e 26 de Outubro, 61 pessoas foram infectadas com malária, mas o surto estará controlado e as possibilidades de contágio limitadas a uma área e população específicas. Tão-pouco parece existir alguma razão para que os portugueses se preocupem. Até porque, avisam os especialistas, os mosquitos que existem na Grécia e em Portugal são diferentes.

Os doentes identificados na Grécia provêm de cinco zonas distintas (Larrisa, Viotia, Attiki, Evoia e Lakonia), mas o principal foco foi assinalado na área de Evrotas (na região da Lakonia), com mais de meia centena de casos que os especialistas atribuem a falhas nos sistemas de vigilância. Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa), devido à chegada do Inverno, a actual intensidade de transmissão da doença nestes locais é já muito baixa, esperando-se que seja nula a curto prazo. As equipas do ECDC que visitaram a Grécia para a elaboração de um relatório sobre a situação concluíram ainda que o risco de infecção existe apenas para pessoas que residam ou trabalhem nas áreas afectadas, em particular em Evrotas.

A malária é uma doença infecciosa causada pelo parasita palsmodium, que é transmitido pelos mosquitos Anopheles (apenas pelas fêmeas). Mas há diferentes espécies de Anopheles, sendo que os que existem na Grécia (Anopheles sacharovi e Anopheles superpictus) são considerados mais competentes para transmitir os parasitas que causam a malária humana, explica Carla Sousa, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT). Esta doença não se transmite de pessoa para pessoa nem de mosquito para mosquito. Para o contágio, é preciso que um mosquito que tenha picado alguém infectado com o parasita pique, em seguida, alguém que não esteja doente.

Portugal tem mapa de risco

Então podemos respirar de alívio em Portugal? Nem tanto. A possibilidade de reemergência de malária no país foi trabalhada num projecto europeu designado EDEN (Emerging Diseases in a Changing European Environment), no qual participou a Unidade de Parasitologia Médica do IHMT. "O projecto englobava a análise do risco de reemergência de várias doenças no contexto europeu, uma das quais a malária. Como resultado deste projecto foi possível elaborar mapas de risco para Portugal, onde se identificaram as regiões com maior susceptibilidade para a ocorrência de casos autóctones de malária", refere Carla Sousa.

Assim, no mapa de Portugal há a assinalar as zonas do Interior Centro-Sul do país como áreas de "maior susceptibilidade", ainda que o risco de ocorrência de um surto de malária seja considerado reduzido. "Tal deve-se ao desfasamento geográfico de dois factores: os locais onde a população de mosquitos apresenta maior capacidade de transmissão do parasita (situados no interior do país) e as áreas geográficas onde se regista o maior número de hospedeiros humanos infectados com o parasita (localizadas no litoral, nas grandes cidades do país)", explica ainda a especialista.

Numa tese de mestrado realizada em 2010 ao abrigo do projecto EDEN, Eduardo Gomes situou no Interior Norte e no Alentejo as áreas de maior risco em Portugal para uma reemergência da malária. E, defendendo uma vigilância cuidada nestas zonas, concluiu: "A possibilidade de ressurgência de malária endémica, na actualidade, em Portugal continental, é relativamente baixa, embora não se possa descurar a possibilidade da sua reemergência sob a forma de focos autóctones esporádicos".

Há já vários anos que se fala do regresso à Europa de um conjunto de doenças que tinham sido erradicadas, entre as quais a malária (apesar de hoje ainda se registarem surtos epidémicos da doença em países como a Arménia, o Azerbaijão, a Geórgia e a Turquia). A temida reemergência está intimamente ligada ao impacto das alterações climáticas e o problema será prever qual das doenças constituirá a maior ameaça.

A malária há muito que foi considerada erradicada em Portugal pela Organização Mundial da Saúde, com os últimos casos autóctones a serem registados na década de 50 (posteriormente, foi detectado um caso em 1975, em Beja). Actualmente, a doença apenas chega ao país através de viajantes e imigrantes, com cerca de 50 casos importados diagnosticados anualmente, segundo dados da Direcção-Geral da Saúde.

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