Eleições no reino de Mohamed VI não serão uma "revolução" mas sim uma "evolução"

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Manifestação de apelo a boicote às eleições, ontem em Rabat Youssef Boudlal/Reuters

Segundo a nova Constituição, será o partido mais votado a indicar o primeiro-ministro. Este poderá ser, pela primeira vez, um islamista moderado.

Os marroquinos vão hoje às urnas escolher um novo parlamento, de onde sairá uma assembleia e também um Governo, com mais poderes. Mas, apesar disso, não parece haver um grande entusiasmo por esta votação no país, e espera-se que haja uma grande abstenção junto com uma vitória anunciada dos islamistas moderados do Partido Justiça e Desenvolvimento (PJD), agora na oposição, e do partido de centro-direita Istiqlal, actualmente no Governo. Nenhum deverá conseguir a maioria absoluta, embora analistas apontem uma vantagem dos islamistas. É possível uma coligação entre os dois.

É certo que estas eleições estão a ser realizadas no contexto da chamada Primavera Árabe, depois da primeira votação pós-Primavera da Tunísia e depois de uma alteração constitucional em Marrocos ter dado alguns poderes até agora do rei ao Governo e parlamento, na sequência de protestos populares.

Mas a falta de entusiasmo tem várias explicações. Para já, os analistas não esperam grandes surpresas. "Não vai haver uma mudança sísmica", declara Jonathan Hill, professor de Estudos de Defesa no King"s College de Londres, numa conversa telefónica com o PÚBLICO. "Não vai haver uma revolução, mas sim uma evolução."

"Há mudanças encorajadoras, há um fortalecimento da democracia. Mas não é assim tão radical, e o rei ainda concentra grande parte do poder", sublinha Hill.

Uma das alterações da Constituição, aprovadas num referendo em Julho, é que será o partido mais votado a indicar o primeiro-ministro. Nas últimas eleições, acabou por ser o segundo partido mais votado, o Istiqlal, a fazê-lo; nestas poderão ser os islamistas moderados do PJD, que actualmente estão na oposição.

Jonathan Hill apressa-se a desmistificar esta provável vitória islamista: o partido deu já sinais de "abertura, adaptação e flexibilidade" em várias questões, como no código familiar (acabou por aceitar o fim da separação de homens e mulheres), sublinha o analista. Mais, "tem mostrado um compromisso para com o processo democrático, pelo que os medos de que tente acabar com o sistema uma vez eleito parecem infundados". O partido será semelhante, compara Hill, "a um partido democrata-cristão da Europa, ou ao AKP, partido do primeiro-ministro turco". E deverá ter de governar em coligação com um partido secular.

Estas eleições em Marrocos poderão, considera o analista, ser interessantes para a questão mais lata no mundo muçulmano "pós-primaveras": serão os partidos islamistas compatíveis com a democracia? Em Marrocos, Hill acha que sim. "O que acontecer aqui poderá ser um barómetro para o que pode acontecer noutros países no futuro", diz. Daí que, mais do que nos resultados, muita atenção estará no modo como decorre o próprio processo: "como vai ser o clima eleitoral, se as eleições são livres, justas, ou se há violência, por exemplo". Há 4 mil observadores marroquinos e estrangeiros no terreno.

A abstenção é ainda um potencial problema: nas legislativas anteriores de 2007, a participação foi de apenas 37% dos inscritos.

O pouco entusiasmo da população tem ainda, finalmente, outro motivo: é que o movimento de protesto em Marrocos, que surgiu um pouco por contágio das manifestações noutros países árabes, acabou por ser bastante esvaziado pelo rei. Para além das alterações constitucionais, Mohamed VI aumentou salários na função pública, distribuiu empregos, duplicou subsídios para manter a estabilidade de preços de combustível e bens essenciais, e assim minorou o descontentamento. "A economia foi um dos factores da Primavera Árabe, em países com uma população muito jovem com emprego limitado e muito poucas perspectivas, o que alimentou o descontentamento político. O rei respondeu bem a estas necessidades com incentivos económicos, e essa é uma boa maneira de gerir um problema político", considera.

Apesar disso, o movimento que esteve na origem dos protestos e que junta islamistas e pequenos partidos de esquerda apela ao boicote das eleições, classificando-as como "uma farsa". Houve manifestações no fim-de-semana, "mas o boicote não deverá ter grande efeito", desvaloriza o analista.

O que Jonathan Hill acha mais relevante depois dos votos contados é a distribuição dos ministérios, porque este "vai ser um indicador importante do equilíbrio de poder" entre o PJD e o Istiqlal, sendo que o palácio vai querer jogar de modo a poder confiar no apoio de um ou de outro para "maximizar a liberdade do rei".

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