Natália de Andrade nunca existiu

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Natália de Andrade DR

"Nunca saberemos por que é que Natália de Andrade era assim e não vale a pena tentarmos. Há tantos buracos na história desta senhora que nunca vão ser preenchidos..." O desabafo é de Catarina Gomes, jornalista do PÚBLICO e autora de uma reportagem publicada na revista Pública em Junho de 2010 sobre Natália de Andrade, a sui generis cantora lírica que Herman José ajudou a popularizar nos anos 1980 nos seus programas de rádio com a Canção Verde.

Ano e meio depois, essa reportagem é o ponto de partida para Natália, a Diva Tragicómica, um documentário de 50 minutos exibido amanhã na RTP2, realizado por João Gomes (irmão da jornalista), que, por entre depoimentos de quem a conheceu (Herman José, Júlio Isidro ou o radialista Armando Carvalheda), apresenta imagens ao vivo da própria Natália de Andrade, provenientes do arquivo da RTP e de colecções privadas. Mas, ao invés de uma biografia tradicional, a abordagem dos irmãos Gomes opta por "problematizar os pontos de interrogação" da história da cantora - que vivia no seu próprio mundo, alheada da realidade, convicta de ser uma diva do bel canto quando era maioritariamente objecto de riso ou pena, e morreu só, num lar de idosos.

"Quando escrevi o artigo, nem tinha sequer pensado num documentário", explica Catarina Gomes. "O que eu queria saber era por que é que ela era assim, tão desligada da realidade, e não encontrei. Encontrei apenas pistas - o diário que ela deixou no lar de idosos onde viveu os últimos anos da sua vida, e pouco mais. O que eu achei fascinante na Natália é a tristeza: a vida dela foi feita uma comédia, ela foi um pouco bobo da corte, mas tinha uma história completamente trágica e ao mesmo tempo heróica - não sei se por ser louca, se por ser perseverante."

A total ausência de elementos biográficos sobre a vida da cantora, para lá do diário que ela deixou, "escrito do ponto de vista de uma carreira artística" que nunca existiu fora da sua imaginação, ajudou também à abordagem do filme, que se concentra no modo como os outros olhavam para Natália de Andrade. "Não tentámos ser maniqueístas. Ninguém está completamente inocentado, não quisemos apontar o dedo. Todos nós nos rimos dela, talvez como exorcismo do medo do ridículo que todos temos no dia-a-dia", diz a jornalista. "As pessoas que ainda se lembram dela lembram-se através de um eco de uma imitação do Herman, e as pessoas que se aproveitaram da personagem nunca se sentaram ao pé dela, "conta-me a história da tua vida". Mas, se calhar, ela própria não a queria contar. O Armando Carvalheda diz que foi a única pessoa que lhe disse não gostar dos seus discos. E ela virou costas e nunca mais lhe falou. Ela não queria ouvir isso. O próprio diário é algo que ela deixa para a posteridade, escrito como o diário de uma carreira artística. Ela própria não se interessa em falar da sua vida".

Como se Natália de Andrade nunca tivesse existido? "Exacto. A única coisa que existe é a personagem. Nunca a conhecemos verdadeiramente e tentámos que isso passasse no documentário."

Natália, a Diva Tragicómica é exibido amanhã às 21h00 na RTP2. Terá uma exibição pública no Museu do Fado a 6 de Dezembro, às 21h30, seguida de um debate moderado pelo jornalista Manuel Halpern

NATÁLIA, A DIVA TRAGICÓMICA from Real Ficção on Vimeo.

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