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Greve geral porque "alguma coisa tem de ser feita" para impedir o rolo compressor

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Será sobretudo no sector dos transportes que mais se vai sentir a greve Enric Vives-Rubio

Desde a última greve geral, há um ano, muito mudou. Sindicalistas contam ao PÚBLICO que mais trabalhadores têm vindo aos plenários, estão com medo, mais exaltados e revoltados

Há um ano, CGTP e UGT fizeram um dia de greve geral contra as medidas de austeridade do PS. Pediu-se justiça na repartição de sacrifícios. Hoje, as duas centrais sindicais estão unidas porque "alguma coisa tem de ser feita" face ao rolo compressor accionado pelo Governo PSD/CDS para passar sobre a legislação laboral, o rendimento dos trabalhadores e tudo sem qualquer negociação social.

A paragem organizada de todo o país é a terceira desde a criação da UGT, em 1978. A primeira foi em 1988 e travou a intenção do Governo Cavaco Silva de mudar a lei laboral. A segunda foi a 24 de Novembro de 2010 e deu o primeiro sinal de descontentamento sindical contra uma política de corte dos rendimentos do trabalho, face ao contributo insignificante do lado empresarial e do capital. Uma linha que se acentuou com a queda do Governo, o fecho dos mercados financeiros, a entrada da troika e a eleição do Governo PSD/CDS, nalguns casos mais para lá das políticas negociadas com a troika.

É o caso, por exemplo, do corte de horas extraordinárias, da flexibilidade e aumento do horário de trabalho (mais meia hora por semana), do corte dos salários da função pública, do esvaziamento e anulação da contratação colectiva, da flexibilização das regras de despedimento individual e colectivo, do despedimento maciço para o sector dos transportes e da redução do subsídio de desemprego em tempo de recessão.

E o próprio Governo tem consciência dos riscos. Semanas antes da greve geral, estavam marcadas duas reuniões do Conselho Permanente da Concertação Social para discutir matérias polémicas. À última hora, o Governo adiou as reuniões para dias depois da greve geral. Ou seja, um sinal de que Passos Coelho já começou a gerir politicamente o descontentamento social (ver texto).

Outro sinal de que o conflito está a agudizar-se foi a definição dos serviços mínimos. Se há um ano, os tribunais arbitrais não pediram qualquer serviço mínimo para os transportes, para esta greve geral estão a exigir 50% das linhas na Carris e na CP. "Eu não acredito nas bruxas, mas que elas existem...", ironiza o dirigente Sérgio Monte, secretário-geral do SITRA (transportes rodoviários), filiado na UGT. Como disse ao PÚBLICO, muitas pessoas querem boicotar os serviços mínimos, mas a ameaça legal é a de um processo disciplinar.

Neste ano que passou, muito se alterou no ambiente laboral. Os efeitos das reformas ainda não se sentiram. Mas o medo do futuro próximo leva os trabalhadores, segundo os dirigentes sindicais da CGTP e UGT contactados pelo PÚBLICO, a estarem revoltados e mais dispostos ao protesto.

Antes, conta Fernando Gomes, da comissão executiva da CGTP, "muitos trabalhadores não vinham aos plenários; agora participam e vêm-nos perguntar se podem parar mesmo não estando sindicalizados".

Os trabalhadores estão "mais exaltados porque toda a gente vai sentir o corte", afirma Sérgio Monte. No sector empresarial do Estado, são os dois subsídios. No privado, mais 30 minutos de trabalho diário, a redução do número de feriados. E a remuneração suplementar é importante para quem trabalha em laboração contínua. Nos transportes, o salário-base é de 610 euros mensais e, com a remuneração extraordinária, chega-se aos 900 euros. Cortem essa parcela e, como dizia um dos administradores de uma das empresas dos transportes, "temos uma revolução". "Tenho muitos trabalhadores que me dizem que têm o dinheiro todo contado para pagar as 14 prestações de dívidas que contraíram. E não sabem o que lhes vai acontecer", conta Sérgio Monte. "Há muita revolta e pânico." Foi anunciado um corte de 5000 postos de trabalho. "Na Carris, o número de trabalhadores já se reduziu de 8 mil para 2700 e, no entanto, continua com os cinco administradores, 24 directores. E, para os outros, "toma lá os sacrifícios". Isso revolta as pessoas."

"Há o sentimento de que é necessário fazer alguma coisa", sintetiza Fernanda Moreira, membro do conselho nacional da CGTP e dirigente do Sindicato do Calçado Aveiro/Coimbra. "Há muito patrão a fazer chantagem, que não paga os prémios, que a empresa pode fechar. Mas os trabalhadores estão indignados. Foi o corte do subsídio de Natal e, para 2012, se não fizermos nada, os cortes virão para o sector privado. Não se pode estar assim."

"O Governo tem tentado dividir os trabalhadores por sectores", defende António Medeiros, do sindicato dos ferroviários, filiado na CGTP. "O que devia era mobilizar todos e dividir os sacrifícios de acordo com o que cada um tem. Mas não."

O sentimento geral é o de que o Governo terá de arrepiar caminho e haver uma maior negociação. Com mais informação e sem factos consumados nos media. "Que a greve geral faça ganhar alguma humildade do Ministério da Economia. As coisas fazem-se com os trabalhadores e não contra os trabalhadores", diz Sérgio Monte. A greve será um sinal de que não é à custa dos trabalhadores que a crise será ultrapassada, afirma Fernando Gomes.

E se não surtir efeito? "Se não surtir efeito e se não se entrar em diálogo social a sério, as coisas tenderão a endurecer", avisa Sérgio Monte. A frente comum nos transportes (CGTP e UGT) reunirá em Dezembro. A greve "vai contribuir para o aparecimento de soluções para o país. E não vamos parar", alerta Francisco Brás, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Locais (Stal).

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