D. Maria II e irregularidades financeiras dos governos socialistas marcam debate do orçamento da Cultura

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Uma maratona de mais de três horas e meia e muitas perguntas. Francisco José Viegas foi à Assembleia defender um orçamento "para pôr a casa em ordem", reafirmou a aposta no património e deu exemplos de endividamento "irresponsável" da Cultura nos governos Sócrates.

A audição do secretário de Estado da Cultura ontem na Assembleia da República foi marcada pelo afastamento de Diogo Infante da direcção do D. Maria II e pela denúncia de irregularidades financeiras nos organismos tutelados.

Falando aos deputados na reunião conjunta das comissões parlamentares de Cultura e de Orçamento e Finanças, com encenadores, produtores, cavaleiros tauromáquicos e outros trabalhadores do espectáculo sentados nas galerias do hemiciclo por causa do aumento do IVA nos bilhetes (de 6 para 23 %), Francisco José Viegas voltou a apresentar as apostas da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) para 2012 - património e apoio às artes levam as maiores fatias (65% no total) - e falou de um "orçamento muito rigoroso", pensado para "pôr a casa em ordem".

Uma intervenção inicial serena que não tocou nos buracos financeiros que o seu gabinete identificou, num documento distribuído aos jornalistas. Nesse documento em que se culpa o Governo socialista pela "espiral de endividamento irresponsável" em que o Executivo encontrou muitas das entidades da Cultura, avançam-se exemplos concretos: os 5,6 milhões de euros de despesas ilegais sem cabimento orçamental no Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) e os três milhões de dívida do Fundo de Fomento Cultural. Exemplos a que Viegas viria a aludir em respostas posteriores aos deputados, chamando a atenção para os orçamentos socialistas que foram feitos com base em "expectativas de receitas irrealistas".

A acrescentar a estes cenários irregulares, que no caso do IMC envolvem despesas correntes de água, luz e gás (1,7 milhões de euros), além de dívidas a empresas de segurança (dois milhões de euros) e de limpeza (600 mil), há a situação do Instituto do Cinema e do Audiovisual, que terá de destinar 75% do seu orçamento para 2012 (11,3 milhões de euros) a projectos plurianuais assumidos em anos anteriores.

São Carlos sem despedimentos

O tom de serenidade mudou com a primeira intervenção da oposição, a cargo da deputada socialista Inês de Medeiros, que começou por saudar Diogo Infante, o ainda director do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII), pela "consolidação das contas" e o "aumento de públicos" do Nacional.

Protestando contra o corte de 22% na Cultura face a 2011, Medeiros acusou Viegas de não estar disponível para o diálogo e de ter transformado o orçamento para o sector num conjunto de "incongruências, simplismo e amadorismo". Referindo-se ainda a Infante, a socialista acusou Viegas de afastar todos os que pretendem defender as entidades que dirigem e disse que os 36% de corte no orçamento do D. Maria, que em 2012 terá uma indemnização compensatória de 3,3 milhões de euros (menos 826 mil euros do que em 2011) é "um exercício de má-fé", a que se acrescenta o aumento para 23% do IVA dos bilhetes para espectáculos.

Em resposta, Viegas admitiu que a questão do aumento do IVA está ainda "em aberto" e que Diogo Infante fez um bom trabalho. Para que não restassem dúvidas, o secretário de Estado garantiu que não tem qualquer conflito com o actor e encenador, mas que não pode aceitar uma gestão que não respeita cortes determinados pela tutela (15 % nos custos de funcionamento em 2010 e 2011, que a SEC diz que o D. Maria não fez e deveria ter feito): "Não admitiremos em nenhuma circunstância que uma companhia nacional seja encerrada", suspendendo a sua programação.

O reforço do trabalho com as autarquias - que segundo Viegas "garantem já 60% da produção cultural" -, a reformulação da rede de museus e a descentralização foram outros dos temas mencionados, em articulação com os deputados dos partidos da maioria.

E os touros?

Sentando na bancada do Governo, Francisco José Viegas tomava notas e, por causa do PCP e do Bloco, viu-se obrigado a regressar à questão do São Carlos e do D. Maria e ainda teve tempo para ouvir o deputado João Almeida do CDS-PP defender a tauromaquia portuguesa, com direito a palmas vindas das galerias e um sonoro "olé!" da bancada do PCP.

"Não é o director artístico do D. Maria que suspende a programação mas o Governo, que estrangula o orçamento do teatro", defendeu o deputado comunista Miguel Tiago.Catarina Martins, do Bloco, alertou para o facto de a venda de subscrições para a temporada do teatro de ópera estar suspensa. O SEC confirmou-o, mas assegurou que será retomada mal o orçamento esteja fechado e a administração do Agrupamento Complementar de Empresas, entidade de que o São Carlos fará parte, entre em funções. "Neste momento é impensável pensar em despedimentos no São Carlos", afirmou o secretário de Estado, que reuniu recentemente com a administração do teatro.

Sem responder à questão das irregularidades financeiras apontadas por Viegas ao IMC e ao Fundo de Fomento Cultural, Gabriela Canavilhas, a ex-ministra da Cultura socialista, insistiu, à semelhança do que fizera a sua colega de bancada Inês de Medeiros, na falta de diálogo com os agentes do sector e falou em perdas inaceitáveis, insistindo que o Governo tem avançado números contraditórios para a dotação orçamental da Cultura: anunciou 200,6 milhões, depois corrigiu para 180 e agora diz que serão 167. "Em que ficamos?", perguntou Canavilhas.

Na última ronda de perguntas, que demorou uma hora, a oposição mostrou-se ainda preocupada com os despedimentos nos museus e a sua falta de autonomia, fez perguntas consecutivas sobre o montante que será destinado ao apoio às artes e quis saber quando estará disponível o plano de investimento do Instituto do Cinema e do Audiovisual que, segundo Medeiros, está há meses em gestão corrente.

As bancadas da maioria, por seu turno, procuraram saber o que pensa Francisco José Viegas da relação custo-benefício do apoio da SEC às fundações - estaria a social-democrata Ana Sofia Bettencourt a pensar na Fundação Berardo ou na da Casa da Música? -, optaram por fazer uma lista das demissões nas entidades do sector nos governos socialistas e responsabilizaram os anteriores Executivos pela estagnação do Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA).

Foi precisamente o FICA que levou Viegas a voltar a falar de "expectativas de receitas irrealistas", situação com que quer "acabar definitivamente": "Não vamos abrir concursos novos sem termos certeza de que existem as verbas transferidas, por exemplo, dos jogos sociais. Não queremos frustrar as expectativas dos artistas, nem nesta nem noutras áreas. Vamos assumir os concursos plurianuais de anos anteriores."

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