O que é aquele traço azul grosso na Lagoa de Albufeira?

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Chuva de estrelas captada num Pinhal de Fonte da Telha (em cima); a estrela Sírio reflectida num espelho de água (nesta página à esquerda); e dois noctívagos que a Lua separa (página ao lado) cortesia miguel claro

Três fotografias de Miguel Claro estão entre as 100 melhores do ano segundo a revista Astronomy.

A pé e de noite, Miguel Claro teve de contornar a lagoa de Albufeira, no concelho de Sesimbra, de uma ponta à outra, até encontrar o ângulo certo para fotografar as constelações Orionte e do Cão Maior. Lembra-se bem que estava muito frio, à volta de cinco graus. O esforço valeu a pena, e a imagem que obteve na noite de 12 de Março do ano passado, entre as 22h26 e as 23h56, é uma das 100 melhores do ano escolhidas pela revista norte-americana Astronomy, na edição deste mês.

O que é o traço azul grosso que sobressai no espelho de água da lagoa de Albufeira (na imagem à esquerda, em cima)? É o reflexo da estrela Sírio, a mais brilhante no céu nocturno e uma das mais próximas da Terra, a 8,6 anos-luz de distância.

Mas este aparentemente simples risco azul tem muita ciência escondida, ou não se soubesse que a cor de uma estrela depende da temperatura da sua superfície. "Quanto mais quentes, mais as estrelas fogem para o azul", explica Miguel Claro, 34 anos, que ganha a vida como editor de fotografia e som do site da livraria Fnac e, nos tempos livres, dá largas à paixão pela astrofotografia.

Portanto, o risco azul na lagoa revela-nos que Sírio é uma estrela quente (à volta de dez mil graus Celsius à superfície). "Na imagem da parte de cima do céu, parece uma estrela branca. Mas a água, com a longa exposição, torna a imagem mais esborratada e intensifica a saturação da cor. É como se intensificasse a temperatura real da estrela. Conseguimos perceber que é muito quente", explica Miguel Claro.

Esta imagem já tinha também sido escolhida pela agência espacial NASA como Earth Science Picture of the Day, em 2010. Ainda há poucos dias Miguel Claro teve outro trabalho escolhido como imagem do dia nesse site, que publica fotografias não só de astronomia mas de ciência em geral: é uma vista panorâmica do Cabo Espichel na noite de Lua Cheia de 19 de Março. "É a minha 18ª fotografia publicada nesse portal da NASA."

Entre as 100 melhores imagens de 2011, Miguel Claro tem outros dois trabalhos (é o único português na lista). "O que é interessante é que esta selecção é feita entre imagens de profissionais e amadores. Algumas são do telescópio Hubble", refere o astrofotógrafo e astrónomo amador português, que para cada imagem deixa a máquina a fazer sequencialmente exposições longas, de 30 segundos cada, ao longo de mais de uma hora, por exemplo. Depois, integra todas essas fotografias numa única imagem.

"O reconhecimento do nosso trabalho é sempre uma grande satisfação. Faz-nos sentir que vale a pena, que podemos contribuir para marcar a nossa presença lá fora."

Se a chuva de estrelas que fotografou na noite de 13 de Agosto do ano passado num pinhal de Fonte da Telha, na Costa da Caparica, outra das suas imagens no top das 100, não tem uma história de bastidores, o mesmo não pode dizer-se da terceira fotografia ali incluída.

Tirou-a na Praia Nova, na Costa da Caparica, a 12 de Agosto, também no ano passado. Já lá estava quando apareceram, por volta das nove da noite, duas pessoas no pontão. "Não as conhecia. Estavam a passear naquele momento." Inicialmente, a ideia dele era fotografar o alinhamento dos planetas Vénus, Marte e Saturno, mas os planos mudaram com a chegada dos desconhecidos: "Quando me apercebi que havia duas pessoas, fiquei a aguardar o momento para poder registar esta fotografia."

À primeira vista, a luz ao longe, no fim do pontão, parece um farol. Mas se olharmos com atenção, é a Lua, em Quarto Crescente, que surge entre os dois amigos. "É um dos pontos particulares desta imagem", realça Miguel Claro, acrescentando que a NASA também já a tinha escolhido como Astronomy Picture of the Day. Seriam namorados? "A impressão que tive é que eram dois amigos a contemplar o céu."

Enquanto outros astrofotógrafos preferem apontar as máquinas ao céu profundo (galáxias, nebulosas, enxames de estrelas) ou ao sistema solar, Miguel Claro especializou-se na fotografia de paisagens astronómicas. "É um conceito que visa a união entre os elementos do céu e da Terra, valorizando o património arquitectónico, cultural e paisagístico e abordando de forma educativa e científica o Universo."

Embora a fotografia dos astros seja a paixão dos seus tempos livres desde 1998 ("Só isso não dá dinheiro, é como se fosse um part-time nocturno"), dedica-se a ela cada vez mais. Muitas das fotografias que envia para revistas da especialidade de todo o mundo acabam por ser publicadas - e nessa altura pagam-lhas. No seu site (http://astrosurf.com/astroarte) pode ver-se, além da panóplia de fotografias que tem tirado, como elas têm percorrido o mundo nas páginas de publicações de divulgação científica como as revistas norte-americanas Sky & Telescope e National Geographic, a britânica Astronomy Now ou a francesa Ciel et Espace. Com elas, divulgam-se também um pouco das paisagens portuguesas.

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