Torne-se perito

Governo vai transferir tutela dos canais RTP Açores e Madeira para as regiões

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Os jornalistas da RTP e RDP repudiam acusações de falta de isenção RUI GAUDÊNCIO

João Duque diz que investimento nas estruturas regionais não se justifica. Mas foram as suas declarações sobre falta de insenção da informação que inflamaram os meios jornalísticos

O Governo pretende atribuir a tutela, livre de encargos, da RTP-Madeira e da RTP-Açores aos respectivos governos regionais, apurou o PÚBLICO. A decisão já está tomada e converge com a sugestão dos membros do grupo de trabalho para a definição do serviço público. No relatório apresentado anteontem lê-se: "Sobre a RTP-Açores e RTP-Madeira, consideramos que a sua missão histórica está terminada." João Duque defendeu ontem na TSF que a audiência local dos canais "não justifica o investimento".

A RTP-Açores custou no ano passado 13 milhões de euros, enquanto a factura da RTP-Madeira foi de 11,7 milhões. Nas duas estações trabalham 300 funcionários. Na apresentação do plano de sustentabilidade da estação, o presidente da RTP disse que ambos não poderão custar, em conjunto, mais de 20 milhões de euros já em 2012. A reestruturação passará por uma autonomização financeira e de gestão, deixando as verbas de sair do orçamento da RTP para virem directamente do Orçamento do Estado.

No final de Agosto, Miguel Relvas anunciou no Parlamento que as emissões destes canais regionais serão reduzidas para quatro horas por dia, entre as 19h e as 23h. E disse que o custo anual de 25 milhões de euros das duas emissoras não se justificava.

Ameaça de processos

Mas foram os comentários do grupo que analisou o serviço público sobre a alegada falta de isenção da informação da RTP que ontem motivaram uma onda de indignação na redacção da televisão e rádio públicas. Há mesmo um grupo alargado de jornalistas que pediu apoio ao sindicato e a um gabinete de advogados para estudar a abertura de um processo-crime aos membros do grupo de trabalho sobre o serviço público, presidido pelo economista João Duque, por difamação e atentado ao bom nome.

No relatório do grupo de trabalho diz-se que a RTP tem "um passado de conhecidas práticas de intervenção ilegal ou eticamente reprovável" do poder político, e que em 75 anos de rádio e 50 de televisão "nenhum período pode ser considerado satisfatório, nenhum modelo se revelou à prova de interferências e nunca a cultura das empresas públicas do sector esteve sustentadamente à altura das suas responsabilidades". O grupo propõe que a informação seja reduzida ao mínimo para evitar as contínuas intervenções do poder político e económico.

Na TSF, o director de informação da RTP afirmou-se "perplexo" com o conteúdo do relatório. Nuno Santos lembrou que a informação da estação é que tem mais espectadores e a sua redacção é a mais escrutinada do país. Disse que a influência do poder político "é um mito" e "atentatória da integridade dos jornalistas".

Na TSF, João Duque sugeriu diversas vezes haver falta de isenção dos jornalistas da RTP. "Todos os partidos, todos os governos sem excepção têm participado demasiado nos alinhamentos, na escolha de programas e até de pessoas que vão aos programas", afirmou. "A maçã é demasiado apelativa, vamos todos dar uma dentada."

Ao justificar a proposta de redução da informação ao mínimo essencial no canal de serviço público que restar, Duque admitiu que "há sempre subjectividade sobre o que é uma notícia seca, objectiva". E disse que "o que se pretende é minimizar essa subjectividade. Não podem ser as políticas a definir os conteúdos, mas se estiver à frente de um órgão de comunicação social, com um tipo de orientação, escolhem-se notícias para seguir essa orientação. E os profissionais ao serviço desse meio vão orientar o seu trabalho para este fim."

Os conselhos de redacção da RDP e RTP repudiam as propostas e insinuações sobre pressões. O da rádio considera haver uma "visão parcial da realidade que revela ignorância" e pede ao grupo que concretize as acusações de intervencionismo. O da TV diz que o grupo "confunde de forma deliberada os conceitos de Estado e de Governo para insinuar que os jornalistas da RTP são permeáveis a pressões políticas". Para o Sindicato dos Jornalistas, o relatório é uma "peça inútil, ofensiva e perigosa".

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