Ainda há jovens a protestar em frente ao Parlamento

Dizem-se explorados pelas elites e não admitem baixar os braços. Há jovens a dormir em frente à AR há mais de três semanas

Foto
Nuno Ferreira Santos

Três semanas após a primeira noite de acampamento em frente à Assembleia da República restam apenas os “resistentes”, que lutam por uma sociedade mais justa, esquecendo o frio, a chuva e o barulho constante de quem passa. Quem dorme no acampamento em frente ao Parlamento são jovens que chegaram a fazer parte do mercado de trabalho e se sentiram explorados. Alguns estão desempregados, outros continuam a trabalhar.

“Eu tenho uma casa, um quarto e lençóis lavados, mas estou aqui porque faço questão de pertencer à resistência contra a situação actual. Este é um movimento global por um mundo em que as pessoas não são tratadas como meros números”, resume Matilde, 24 anos.

André Costa, João Carril ou iGO também trocaram o conforto das camas pela calçada portuguesa em frente à Assembleia da República. “Faz hoje três semanas que acordámos aqui pela primeira vez”, recorda, orgulhoso, André Costa, admitindo que a mãe ficou bastante preocupada quando soube que o filho ia dormir para a rua em protesto. “Agora já me apoia”, conta. “O meu pai, que é músico, disse-me que as coisas não se fazem assim. Mas também já está a pensar vir cá dar música”, diz iGO.

Foto
Nós somos os 99 por cento do povo que está a ser explorado pelas elites, diz João Carril Nuno Ferreira Santos

Chuva afastou muita gente

Foto
Manifestação dos Indignados em Lisboa Miguel Manso

“Nós somos filhos da classe média que está em vias de extinção. Depois há aqui pessoas da classe baixa e até da alta que se revoltaram. Não estamos aqui apenas para ocupar Lisboa, mas para ocupar o espírito”, conta Matilde, que traz na lapela um pin que diz apenas “Liberdade”.

Foto
A AR como pano de fundo na manifestação de 15 de Outubro Miguel Manso

O grupo que se concentrou ali a 15 de Outubro está bem mais pequeno. “Não somos os indignados, esses foram os primeiros a abandonar o barco. Nós somos o povo português”, diz André Costa. O mau tempo fez com que entretanto muitos outros tivessem abandonado o protesto. “A chuva afastou muita gente. Agora são só os resistentes”, acrescenta iGO.

É que as noites são muito duras. “O frio faz contrair os músculos e de manhã acordamos com a luz e o calor. Além disso nunca há silêncio, estão sempre a passar carros, motas e autocarros”, diz, garantindo que a experiência está a ser “uma lição de vida de mil anos”. Os jovens salientam as boas relações com a polícia que, desde que começou a chover, “fecham os olhos e deixam montar as tendas entre a meia-noite e as seis da manhã”.

Os solidários

A solidariedade surgiu também de desconhecidos como “a Dona Florinda ou o Senhor Mário”. Todas as manhãs, Florinda Paixão, 63 anos, vai ao acampamento deixar um saco de pão fresco. “Eles são muito educados e simpáticos, mas a minha idade não me permite estar ali com eles por isso trago-lhes pãozinho. É a forma de participar no protesto”, explica.

Além do “pãozinho da Dona Florinda”, ao final da tarde nunca falha a “sopa quente do senhor Mário e da mulher”. Há ainda quem “empreste electricidade” ou “sinal de Internet” para estarem a par das notícias. Os únicos vizinhos com quem mantêm relações mais tensas são os da Assembleia da República. Entre os manifestantes e os funcionários do parlamento “existe uma barreira ideológica e física”.

A escadaria está totalmente gradeada desde o dia da manifestação. “Aquilo cria uma barreira psicológica entre eles e nós. Não tiram aquilo dali porque se sentem ameaçados com as nossas ideias”, critica Matilde, garantindo que no acampamento “a política foi substituída pelo bom senso”.

O grupo de resistentes prepara-se agora para a manifestação mundial de sexta-feira. “Queremos criar as bases para uma sociedade do futuro baseada num sistema de confiança em que as pessoas partilham recursos. Temos que deixar de ver as pessoas como números e passar a conhecê-las uma a uma. Tem de haver confiança, empatia e ligação humana”, resume João Carril. Mas afinal, quem são estes jovens? São a resistência? “Não, nós somos os 99 por cento do povo que está a ser explorado pelas elites”.

Sugerir correcção
Comentar