James Murphy, e vão dez anos nas mãos da DFA

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James Murphy resume assim o seu trabalho nos primeiros anos da DFA: "Excitar-me com algumas coisas que ouvia e acreditar que era possível fazer alguma coisa com elas"

Com o fim dos LCD Soundsystem, James Murphy voltou a dedicar-se à sua editora, que celebra hoje, no Lux, dez anos de vida. Sem a DFA, a última década não teria sido a mesma: falámos com o homem que mudou o nosso mundo enquanto ele tomava o pequeno-almoço. Vítor Belanciano

A editora DFA Records, com base em Nova Iorque, celebra dez anos de vida. LCD Soundsystem, The Rapture, Black Dice, Gavin Russom, Hercules & Love Affair, Holy Ghost! ou Yacht são alguns dos nomes que têm estado em evidência ao longo destes anos. Claro que nada disto teria a mesma importância se à frente da editora não estivesse James Murphy, o homem que fez e desfez os LCD Soundsystem, e que se tornou ícone da última década.

No Lux, hoje, para além de James Murphy, estarão presentes Alexis Taylor dos ingleses Hot Chip, Nancy Whang e Pat Mahoney (dos extintos LCD), os Juan Maclean e os Shit Robot. Uma verdadeira constelação de nomes pertencentes à editora que prometem transformar a noite "Green Ray" num evento muito singular. Na semana passada, enquanto tomava o pequeno-almoço, falámos via Skype com Murphy sobre a sua editora.

Dez anos depois, que memórias guarda do início da DFA?

Antes de ser uma editora, a DFA era um grupo de amigos com vontade de fazer coisas. Queríamos criar uma editora e também um novo conceito de noite em Nova Iorque, porque nessa altura o panorama era desolador, mas não sabíamos muito bem como fazê-lo. O momento de mudança aconteceu depois do lançamento do tema "House of jealous lovers", dos The Rapture. Foi aí que sentimos que algo mudara e que estávamos no caminho certo.

Esse tema teve impacto, mas olhando retrospectivamente não lhe parece que "Losing my edge", dos LCD Soundsystem, acabou por se tornar mais influente e por personificar essa época de forma mais ajustada?

Talvez. O sucesso de "House of jealous lovers" não foi uma surpresa. Acreditávamos naquilo que estávamos a fazer. Sentíamos que tínhamos uma boa ideia entre mãos. "Losing my edge" foi diferente, talvez o seu impacto tenha sido mais distendido no tempo. Hoje estou em crer que se os The Rapture não tivessem optado por sair da DFA, nem teria havido LCD.

Entrevistei os The Rapture nessa fase e senti que eles tinham uma posição ambivalente em relação ao protagonismo da editora e da forma elogiosa como se falava da sua produção. Por um lado estavam gratos, mas por outro sentiam que lhe atribuíam a si o crédito e não a eles.

Sim, não deve ter sido fácil para eles, porque já tinham um percurso prévio. Não tinham nascido na DFA. Nesse sentido, percebo-os. Não tiveram o crédito que mereciam por terem desenvolvido o seu som. Era como se as pessoas acreditassem que muitas das decisões que eles tomaram tivessem sido da responsabilidade de forças exteriores, e não é verdade.

No início da DFA, além de produzir, qual era o seu papel? Também era responsável pela escolha dos projectos?

Alguns sim. Os The Rapture, por exemplo. Fui vê-los ao vivo uma vez, por mero acaso, e gostei imenso do que vi. Nessa altura o meu trabalho era esse: excitar-me com algumas coisas que ouvia e acreditar que era possível fazer alguma coisa com elas.

Quando começaram, havia modelos? Estou-me a lembrar de algumas editoras icónicas dos anos 80, como a Factory ou a 4AD, por exemplo.

Fomos todos influenciados por uma série de editoras muito diferentes: a Sleeping Bag, algumas editora de Nova Iorque ligadas ao disco, e, claro, a Factory também é uma referência. O que tentámos fazer foi qualquer coisa que se adequasse à nossa personalidade e à dos músicos que estavam connosco. Era uma amálgama de várias coisas. Não creio que existisse um modelo, havia mais uma forma de fazer as coisas aberta e autêntica, no sentido de se estabelecer uma relação de confiança entre todos.

Depois do primeiro álbum dos LCD, o projecto tornou-se numa banda a sério. Nessa altura, o sucesso do grupo foi vivido em conflito, tendo em atenção o seu papel na DFA?

Não diria que foi um conflito aberto, mas é evidente que o meu papel na DFA se alterou, porque comecei a estar menos disponível. Nunca quisemos ser uma banda profissional. Acho que só começamos a sê-lo porque os The Rapture deixaram a DFA e sentíamos que tínhamos de ter uma outra banda nessa altura. Os LCD cumpriram esse papel. Tenho orgulho nisso, foi excitante, mas ao mesmo tempo não era sustentável e essa também foi uma das razões por que resolvi abdicar dos LCD.

Passaram oito meses desde que pôs fim aos LCD Soundsytem, mas a maior parte das pessoas ainda parece ter dificuldade em perceber porque terminaram, não lhe parece?

Sim, é muito difícil explicar às pessoas. É difícil dizer-lhes que não desistimos nem abdicámos. Apenas deixámos de ser aquela banda, naquele formato, com aquele sentido. Apenas deixámos de ser aquela banda profissional que anda de digressão em digressão, pelo mundo. Não significa que um dia destes não me apeteça lançar um máxi-single e voltar ao espírito do início, quando lançamos "Losing my edge". Na época éramos apenas um projecto, depois tornámo-nos uma banda rock de sucesso que, de álbum para álbum, se foi tornando mais famosa e actuando pelo mundo inteiro. Foi isso que tentei contrariar. O sucesso, esse modo de vida, é óptimo, mas a vida tem outras coisas.

Nestes meses nunca teve nenhum momento em que tivesse olhado para trás e pensado que pode ter cometido um erro?

Sim, claro. Nenhuma perda, nenhuma separação, é fácil, pelo menos quando nos entregámos às coisas a sério, de forma profunda. Se tivesse sido uma coisa ligeira, sim, não haveria grandes problemas. A perda seria vivida de forma fácil. Mas não foi. Ao longo destes meses já passei por várias fases, às vezes sinto saudades das pessoas da banda, por exemplo. Mas não estou arrependido. Acredito naquilo que fiz e na forma como foi feito. Neste momento direccionei-me para a DFA e é aí que estou.

Yacht, Shit Robot, Holy Ghost! ou The Juan Maclean são todos diferentes entre si, mas também existem algumas semelhanças entre todos. Isso é cultivado na editora?

Na DFA influenciamo-nos uns aos outros, mas mais em termos de processo, não necessariamente em termos sonoros. Vivemos num mundo onde muitas bandas utilizam elementos dançantes, fazendo-o com o computador. E depois existe uma série de malucos que tenta contrariar isso, para fazer de forma diferente, mesmo quando utiliza o computador como todos os outros. Se existe qualquer coisa que aproxima os LCD dos Yacht é isso: essa procura, tentar apresentar essas coisas ao vivo de uma forma fresca. Encontrar formas de o fazer como banda sem termos medo de ficar reféns do computador. Os LCD são diferentes dos Juan Maclean, mas o processo é muito semelhante.

Nos últimos dez anos, a grande revolução na indústria da música foi a Internet. A Internet foi boa ou má para a DFA?

Existem coisas positivas, muitas das nossas bandas beneficiaram da forma como a Internet expôs a sua música, mas ao mesmo tempo a Internet trouxe consigo a ubiquidade. Existe demasiada música. Não há filtros. E isso é um problema. Ontem como hoje, o que me interessa é acreditar em determinado projecto, independentemente da orientação ou da Internet.

Uma das festas de celebração dos dez anos da DFA vai acontecer no Lux, em Lisboa. O que podemos esperar dela?

O Lux é um espaço óptimo. O Pedro Fradique do Lux foi uma das primeiras pessoas que conheci quando comecei a viajar. Parece-me que foi em Berlim, nas primeiras viagens que fiz com os Rapture, que o conheci. E ali percebi de imediato que era um local que provocava vínculos emocionais fortes com as pessoas, porque toda a gente me falava bem do espaço. Mais tarde pude comprová-lo, actuando lá várias vezes como DJ e com os LCD. As festas que vamos fazer não são estáticas. É um diálogo. No caso do Lux, existe um diálogo ao longo da noite com o Pedro e outras pessoas, que nos vão dizendo: "agora é muito cedo para isso", ou "as pessoas só vão chegar daqui a pouco." O alinhamento vai ser construído a partir desse diálogo com as pessoas do espaço e, ao longo da noite, com as pessoas que forem aparecendo por lá.

Uma das razões que invocou para o encerramento das actividades com os LCD prendia-se com o ritual das viagens, os aviões, os hotéis. Não acontece o mesmo no papel de DJ?

Há algumas semelhanças, mas enquanto DJ passo música diferente todas as noites... [risos]. Com uma banda isso não acontece. Claro que tocarmos e interpretarmos as nossas canções em palco resulta numa emoção diferente. Mas a repetição também a pode anular. Quando se vai como DJ pode-se conhecer um pouco da cidade, falar com as pessoas, ir jantar, desfrutar. Com uma banda isso não existe. É um tipo de pressão diferente. Estou muito agradecido a esta vida por poder viajar - antes não conhecia a Europa, não tinha dinheiro para o fazer -, mas é melhor fazê-lo de forma a desfrutar. Com uma banda, de autocarro o dia inteiro, rodeado de 25 pessoas, é muito difícil. Vai-se do autocarro para os bastidores, e dos bastidores para o autocarro. Em eventos como o do Lux, vemos os nossos amigos, saímos, jantamos juntos, damos uma volta ou vamos a um museu.

Em palco, com os LCD, parecia quase sempre nos limites. Parecia uma experiencia física e emocional intensa. Como DJ, como se sente e como reage à proximidade das pessoas?

Sinto mais as pessoas como DJ. Em palco, com os LCD, raramente via as pessoas, com as luzes a incidirem nos meus olhos. Em palco as coisas são mais automáticas. Como DJ é como ter uma conversa com alguém. É um diálogo. Adoro isso.

Ver agenda de concertos pág. 34 e segs.

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