"Downton Abbey": O presente a partir de "Brideshead"

Ninguém é desagradável ou rude em "Downton Abbey". É paternalista e benigna, funcionando mais como um retrato do presente do que do período eduardino

Série foi criada por Julian Fellowes DR
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"Downton Abbey" tem tanto de familiar ("revisita Brideshead" e sobe e desce a escadaria do número 165 Eaton Place, a mansão de "Upstairs, Downstairs"), como de subversivo.

Em Abril de 1912, os habitantes de Downton fazem o possível e o impossível para manter o "status quo" que "la noblesse obligue" até receberem a notícia do naufrágio do Titanic e da morte do único herdeiro digno de toda a fortuna dos Crawley. A alternativa na linha hereditária é Mathew (Dan Stevens), detentor de um estilo de vida burguês e, por isso, desaprovado particularmente pelas senhoras Crawley, sobretudo a cáustica mãe de Lord Grantham, desempenhada por Maggie Smith, e Lady Mary (Michelle Dockery), a filha mais velha.

Julian Fellowes, autor do guião de "Gosford Park", consegue deixar bem claras as dicotomias entre o “up” e o “down” do casarão - até em detalhes como a electricidade só existir em metade dos quartos - tendo como tema central a exploração de classes, bem esmiuçada na caracterização dos multifacetados habitantes da mansão. No início, parece tratar-se de uma defesa laudatória a este estilo de vida (a criadagem resignada e a nobreza ciente de ver nos empregados uma família sub-rogada, cada um seguríssimo do seu lugar no mundo), mas Fellowes, ao contrário do que perpetuou em "Gosford Park", filme marcado pelo cinismo colectivo das personagens, consegue fazer de quase todas as personagens “boas pessoas". As relações dos Crawleys com os empregados são, geralmente, generosas e humanas. Palpita o fim de uma longa era, insustentável a si mesma e questionada pelas mudanças do mundo pós-guerra.

Mas, não é justo resumir "Downton Abbey" a um hino ideológico de um passado ainda recente. A reconstrução do funcionamento de uma casa aristocrata é incrivelmente bem conseguida, sobretudo no estrito cumprimento de normas e papéis de cada peça humana naquele (autêntico) tabuleiro social. Vemos o que é esperado de uma lady da "high society" entusiasmada pela conquista do voto feminino, que, aqui, é retratada do avesso por Lady Sybil (Jessica Brown Findlay). Já Lady Mary, na sua cinzentíssima sombra egocêntrica, sucumbe aos encantos de um diplomata turco. Imagine-se, antes do casamento!

Fantasia liberal? Nostalgia? Romance? Ficção? Paternalista e benigna, sim. Ninguém é desagradável ou rude para ninguém, o que me leva a acreditar que é mais um retrato do momento presente do que da época eduardiana tardia.

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