Um caso triste

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A história de Duarte Lima não é uma história que passe rápida e ligeiramente sobre nós. Não o conheci nos seus tempos de importância e da relativa glória portuguesa, mas já nessa altura ele me parecia uma personagem um pouco estranha na corte do PSD e de Cavaco: grosso, baixo, calado, estranho à carreira do arrivismo comum. Havia boas razões para isso. Duarte Lima nasceu no fim do mundo (em Bragança), numa família muito pobre de nove filhos. Às vezes, teve fome, ou muito perto disso. Foi educado pela escola primária da terra e, sempre, pela Igreja. Na Igreja, que devia frequentar com grande assiduidade, aprendeu música e, nomeadamente, a tocar órgão: aos 12, 13 anos, já acompanhava a missa no órgão da Sé. Era com certeza uma criança aplicada; de certa maneira, uma personagem do século XIX.

Acabou o liceu em Lisboa (suponho que também ia trabalhando) e, a seguir, conseguiu tirar o curso de Direito na Universidade Católica, onde o nomearam regente do orféon, ou por recomendação de Bragança ou em homenagem ao seu óbvio talento musical. Na Universidade Católica, aparentemente conheceu Margarida Marante, que o apresentou a Ângelo Correia. E Ângelo Correia, como ele próprio disse, para "lhe dar a mão", resolveu fazer dele seu adjunto no Ministério da Administração Interna, onde, de resto, esteve pouco tempo. Daí em diante, Duarte Lima seguiu a via tradicional das carreiras no PSD e, a certa altura, ainda novo, chegou à Assembleia da República e a mais do que isso, a presidente do grupo parlamentar da maioria.

Não é líquido por que razão o elegeram e não é líquido por que razão eventualmente correram com ele. Consta que exibia "sinais de riqueza", que não caíam bem. Ou, se calhar, arranjou uma incompatibilidade qualquer ou com o dr. Cavaco ou com a Igreja. De qualquer maneira, ficou isolado. Um pobre de Bragança não podia transitar suavemente para uma companhia, um banco ou um escritório de advogados, como transitava a gente com velhas relações pessoais no Porto e em Lisboa. Nem assimilar com naturalidade o estilo de vida da alta classe média urbana, que ele não conhecia e provavelmente não estava ansiosa por o conhecer. A magnificência de Duarte Lima, que a televisão (com o consentimento dele) por aí exibiu, era um sintoma de solidão social. Como a espécie de clientes e de trapalhadas com que a seguir alegadamente se envolveu. O menino de coro de Bragança não encontrara um assento sólido. O caso dele é um caso triste.

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