Proibido comprar sexo

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Francesco Acerbis/Corbis

Está na Suécia e apetece-lhe telefonar à rapariga que viu em lingerie na Internet? Arrisca-se a ir a tribunal, pagar multa ou apanhar uma pena de prisão de um ano como o último elo de uma rede de tráfico de pessoas. Hoje é o Dia Internacional Contra o Tráfico de Seres Humanos. Por Ana Cristina Pereira

Uma rapariga sai de um táxi na Rua Master Samuel. Usa botas de salto alto, calças justas, sobretudo colorido. Olha para baixo, para a esquina com a Rua Malmskillnad, onde há uns minutos parou outra africana. E é para lá que caminha, passo seguro.

O frio corta a noite que há muito caiu sobre Estocolmo. Quase ninguém palmilha esta zona central da cidade. A parte sul desta rua larga foi tomada por escritórios. Os carros passam depressa, a menos que os condutores procurem quem lhes venda sexo.

Desde os anos 1970 que esta é a passerelle das prostitutas de Estocolmo. Contam-se pelos dedos. Talvez por a Suécia ter adoptado uma legislação única a 1 de Janeiro de 1999: não é crime vender, mas é crime comprar sexo; quem o faz sujeita-se a multa ou até a prisão.

A Unidade de Prostituição passa por aqui amiúde, a ver se quem vende sexo quer ajuda para deixar de o fazer. Miki Nagata, assistente social, integra a equipa. Se se puser na esquina, numa noite pode contar duas raparigas; noutra, 20. Se lhe pedirem uma média, 11.

Nesta noite, que ameaça tornar-se molhada a qualquer instante, pouco abaixo da Ponte Malmskillnad vêem-se três prostitutas a conversar, de pé, viradas para a faixa de rodagem. Continuando a descer em direcção à casa da cultura, símbolo da Suécia moderna, vê-se apenas mais uma.

Poder das feministas

A ideia surgiu dentro do movimento feminista sueco, que encara a prostituição como uma agressão contra as mulheres. As activistas levaram-na para dentro dos partidos: queriam obrigar os homens a responsabilizarem-se pelo seu "comportamento opressivo" e a mudá-lo.

Nunca se vira nada assim. Houve risota à escala planetária. Kajsa Wahlberg, relatora nacional para o tráfico de seres humanos, lembra-se disso: "Recebemos telefonemas de muitos países. "Como vão fazer isso? Estão loucos?!"" E envaidece-se agora ao dizer que a prostituição de rua caiu para metade. Efeito exclusivo da lei?

O mundo mudou muito. A 1 de Janeiro de 1999 a Internet era novidade, quase não havia telemóveis. Agora, quem não tem acesso a essas tecnologias num país desenvolvido como a Suécia?

A zona quente, na Suécia, é a Internet. Um inquérito feito em 2009 revelou que 10% dos jovens entre os 16 e os 25 anos publicaram fotos em poses eróticas na Net e 1,7% receberam dinheiro por sexo. "Há esse problema entre os jovens", inquieta-se Kajsa. Uns fazem-no para pagar os estudos, ajudar a família. Outros para comprar roupas, pequenos luxos.

Petite Jasmine, uma rapariga de curvas perfeitas e longuíssimos cabelos louros, anuncia-se lá. Na fotografia, aparece sentada, de lado, sem que se lhe veja o rosto, apenas o tronco nu, as pernas nuas. Por baixo, insinua: "A maioria das meninas não sonharia fazer as coisas que eles sonham."

Esta estudante de 25 anos nunca pensara ganhar a vida desta maneira. Separada do pai dos filhos, inscreveu-se num site de encontros. Queria conhecer rapazes, dançar, conversar: "Havia 100 homens para dez mulheres. Um achou que talvez conseguisse um encontro se me oferecesse dinheiro. Primeiro fiquei ofendida: "O quê?! Está a chamar-me puta!" Depois, fiquei curiosa."

Sentiu-se muito tentada. O homem oferecia-lhe três mil coroas (327 euros) por hora. "Na Suécia, há uma espécie de salário para estudantes. Recebo 750 euros por mês - terei de devolver metade, mais tarde." Está a acabar o secundário. Planeia entrar no ensino superior. Na altura, vivia com a bolsa de estudo e com a pensão de alimentos dos filhos, de dois e três anos.

Mergulhou na Internet. Meteu conversa com dezenas de mulheres que fazem sexo por dinheiro. "Fiz-lhes muitas perguntas. Explicaram-me tudo." Contaram-lhe que se cobra no mínimo 200 euros por hora. E deram-lhe dicas. "Publiquei um anúncio. Tinha muitos candidatos. Escolhi um."

Isso foi há um ano e meio. Agora, Petite Jasmine domina a actividade. É isso, pelo menos, o que dá a entender enquanto beberrica uma cidra gourmet, sentada num banco de um bar de um hotel de quatro estrelas, na Rua Kungsholm, a dez minutos da estação central.

Conhece os grandes hotéis da cidade. Não atende no seu apartamento - situado nos arredores de Estocolmo. Se o fizesse, o seu senhorio podia ser acusado de favorecer a prostituição. Encontra-se com os clientes nos hotéis ou nas casas deles, quando as mulheres vão a um spa ou partem com as amigas ou com os filhos para umas férias num sítio distante.

Cobra 450 euros por hora. "É um bom extra para uma estudante", sorri a rapariga, roupas pretas coladas ao corpo, decote em forma de "v". "Se for boa a gerir dinheiro, uma pessoa consegue viver na Suécia com mil euros. Faço dois clientes por mês e fico com uma boa situação económica."

Previne desgostos, talvez por isso nunca os tenha tido. "Gosto de ser tratada como uma princesa. Vejo a abordagem. Se me agrada, falo por e-mail, por telefone. Só depois marco um encontro. O primeiro é sempre num local público. Eu prefiro; os clientes também. Até esse momento, não conhecem a minha cara. Querem ver se sou gira o suficiente."

Também lhes dá segurança. Se aparecer um polícia a fazer perguntas, os clientes não ficam à toa, sabem o que dizer sobre a rapariga. Alguns atiram-lhe a vida para cima, como se ela fizesse mesmo parte dela. Outros empenham-se mais nas conversas sobre sexo. "Ele pode dizer que quer receber sexo oral, que quer fazer sexo oral. Sim, eles pagam-me para me fazerem sexo oral. Isso é bom. É óptimo. Eu gosto de sexo e noto que eles gostam que eu goste. É o ego."

Tem um amigo-cliente e três outros clientes regulares. Um deles telefona-lhe todas as manhãs, a caminho do trabalho. "É comum terem uma paixoneta por mim. Eles gostam de imaginar que eu sou uma namorada. E eu gosto que eles tenham essa fantasia. Às vezes, dão-me prendas caras - perfumes, malas, jóias. Não é um trabalho difícil. É um bom trabalho. Gosto de ter o alter ego Petite Jasmine. Eu sou um bocado temperamental. Ela não. Ela está sempre de bom humor. Nunca se irrita. Também não é teimosa. Não faz ondas."

Prostituição como tráfico

As autoridades não distinguem acompanhantes de luxo de prostitutas de rua, nem sequer prostituição voluntária de prostituição forçada. Tudo isso lhes parece incompatível com os direitos humanos. "Algo aconteceu com elas", enfatiza a procuradora-geral adjunta Lise Tamm, numa sala do Ministério Público, em Estocolmo. "Até podem ter um curso universitário, mas são vulneráveis. Por que haveria uma mulher de escolher ser penetrada por dez homens que nem conhece?"

Em Estocolmo, Gotemburgo e Malmö, as comissões que investigam o tráfico de seres humanos também caçam compradores de sexo. Lise resume esta lógica de intervenção numa frase: "O comprador de sexo é o último elo da cadeia de tráfico." Mas, claro, há que ter prioridades. E as autoridades não perdem o sono com os clientes de suecas adultas e independentes, como Petite Jasmine.

A magistrada está convencida de que, se não fosse crime comprar sexo, seria mais difícil investigar tráfico de seres humanos para exploração sexual. "É importante ter alguns compradores de sexo no caso. Vão a tribunal. Ali, vê-se como o seu dinheiro vai para o crime organizado."

Na primeira década, a polícia apanhou uma média de 180 compradores de sexo por ano. Em 2009, 352; em 2010, 1277. O que aconteceu? Mais mulheres ofereciam os seus serviços nas ruas Master Samuel e Malmskillnad. Mais agentes passaram a andar por ali, a desencorajar os clientes. "Ainda estão lá porque se pensa que, se saírem [o número de mulheres], voltará a subir", diz Jonas Trolle, chefe da Comissão Antitráfico de Estocolmo.

No início, os polícias identificavam-se muito com os clientes. "A mulher dele vai ficar chateada! Estamos a arruinar o casamento dele!" Isso esbateu-se. "Agora, há consenso em torno da ideia de que tráfico de seres humanos e prostituição devem ser combatidos", afiança Kajsa relatora nacional para o tráfico de seres humanos.

A última sondagem, de 2008, revela que 71% da população concordam com a criminalização. Os suecos até têm uma palavra especial para compradores de sexo: "kast", a mesma que usam para "falhado". Não há, ainda assim, quem os veja atrás das grades.

Em Julho, a pena máxima de prisão prevista subiu de seis para 12 meses, para incentivar os juízes a aplicá-la, mas os compradores de sexo continuam só a pagar multa: um terço do rendimento auferido em 50 dias, um mínimo de 2500 coroas (271 euros). Preferem pagar logo para evitar uma ida ao tribunal. A exposição pode sair cara.

Há quem já tenha perdido o emprego ou o casamento. "Aqui, as pessoas vêem sexo comprado como algo que não se pode ter de outra forma", diz a inspectora Ann Martim, da Comissão Antitráfico do Departamento da Polícia da Cidade de Estocolmo. "Ficam chocadas, se um homem casado é apanhado a comprar sexo. Eles não podem dizer que foi sem querer. Têm de procurar, escolher, telefonar, ir lá. Dão muitos passos até chegar ao quarto."

Perante isto, quem se atreve a comprar sexo? O Instituto Sueco editou no ano passado um relatório a responder a essa pergunta: "Pode ser o teu vizinho, até o teu melhor amigo. Talvez seja um colega de trabalho ou alguém com quem falaste numa festa na semana passada. Parece viver uma vida normal. É casado, tem filhos, um bom emprego - por outras palavras, é um tipo normal. Mas também compra serviços sexuais e, ao fazê-lo, alimenta um mercado de exploração sexual, prostituição e tráfico. Pela lei sueca, é um criminoso."

O estigma

Petite Jasmine não encontra vantagens neste modelo: "O cliente tem maior necessidade de salvaguardar a confidencialidade. Dá menos informação. A relação de confiança é mais difícil de criar." Ao mesmo tempo, sente um certo reforço do estigma: "A trabalhadora do sexo é uma desgraçada. Se não aceita ajuda, é mal vista. Nos serviços públicos legitima-se a ideia de que uma pessoa não pode ser boa mãe e trabalhadora do sexo ao mesmo tempo."

Petite Jasmine não vê os filhos há três meses. "O pai soube que eu faço este trabalho. Falou com os serviços sociais. E eles tiraram-me as crianças e entregaram-lhas. Antes tinham dito que eu tinha de o deixar, porque ele era perigoso: fumava cannabis e estava a ficar agressivo. Quando souberam que eu faço trabalho sexual, ele tornou-se no bom pai. Estranho, não é?"

Conheceram-se há cinco anos. Viram-se duas vezes e as suas roupas misturaram-se nas gavetas. "Eu tinha um cão, ele tinha outro. Ficámos com dois cães. Depois, tivemos duas crianças. Pensava que íamos ser uma família grande e feliz." Não foram. E ela mudou de vida. E ele não gostou. Nem a protecção de menores: "Quando levaram as crianças, disseram-me que o que eu faço é autodestrutivo. Se não sei cuidar de mim, não sei cuidar dos meus filhos. Forçaram-me a aceitar o papel de vítima. Se não choras e dizes que estás arrependida, as hipóteses de recuperares os teus filhos são menores. Tive de chorar. Tive de chorar e de dizer: "Estou arrependida, não faço mais." Não quero continuar a jogar esse jogo."

Não considera prejudicar os filhos por atender dois clientes por mês. De dia, deixa-os no infantário e vai às aulas. De noite, fica com eles. Só trabalhava quando ficavam com o pai. E não está sozinha. A família não gosta do seu trabalho, mas aceita-o. Só a sua mais antiga amiga lhe virou as costas. "Disse-me que não quer ser cúmplice da minha destruição." Tem precisado de apoio. Tem andado nos tribunais: "Tive de lutar para recuperar as crianças. Consegui a custódia partilhada. Estou à espera que haja um trabalhador social para acompanhar a mudança."

A liberdade de escolha

O caso mobilizou Pye Jakobson, líder da Rose Alliance, a associação de trabalhadores do sexo da Suécia. Poucas coisas irritam tanto esta sueca como o preconceito. "O que é pior? Uma rapariga que sai à noite e bebe e vai para a cama com qualquer um ou uma rapariga que não bebe e escolhe com quem vai para a cama e recebe dinheiro por isso? Muitas vezes, as trabalhadoras do sexo escolhem mais do que as meninas que apanham uma bebedeira num bar."

Iniciou a carreira há 24 anos, em Portugal. "Não era tão estigmatizante como aqui. Em Portugal, há aquela coisa: toda a gente precisa de comer. Aqui, perguntam logo: "O que está errado contigo? O que te aconteceu? Não precisas de fazer isto. O Estado pode dar-te dinheiro.""

Em 1987, Pye queria viajar pela Europa. Tinha 18 anos e três dias, fez striptease. "Eu queria fazer isso há muito tempo. Achava glamoroso." Ganhou dinheiro. Viajou para Portugal. "Apaixonei-me por Lisboa. Em 1988, mudei-me para lá."

Eram anos um tanto loucos. Pye tornou-se porteira de um bar na moda no Bairro Alto. Depois, striper numa grande discoteca no Algarve. Uma noite, um homem desafiou-a a vender sexo. "Ofereceu-me 30 contos [150 euros] para uma hora. Era muito dinheiro em 1991. Tinha de pensar. Fui para o escritório da dona do clube. Falei com ela. E ela disse-me: "Já estás à chuva, é melhor ficares molhada.""

Não acabou a noite enrolada num cobertor a chorar. "Era um trabalho, uma maneira de fazer dinheiro. Muitas pessoas pensam que todos os suecos têm muito dinheiro. Trabalhando em Portugal, ganhava o salário de Portugal. Nessa altura, uma pessoa que trabalhava num balcão ganhava 70 contos [350 euros] por mês. Ora, isso fazia eu com dois clientes."

A sida alastrava. Pye fartou-se de ver morrer amigos homossexuais. Quis regressar a casa. Deparou-se com um estigma fortíssimo e perguntou-se: "Mas quem são estes para dizer como devo levar a minha vida? Não sou vítima, não sou estúpida. Aos 25 anos, tornei-me no bebé das activistas da Europa. Mesmo sendo difícil, é preciso trabalhar a mudança."

Parece-lhe que "o Estado sueco não confia nos cidadãos", que os infantiliza. Compara a lei da prostituição com a lei da droga. "É a mesma atitude. Portugal é pragmático: as pessoas podem ter droga para consumir. Na Suécia, nem podem ter droga no sangue. Faz-se o que é preciso para proteger a ideia de país perfeito, mas a Suécia não é um país perfeito."

Está no outro extremo do feminismo - o que levou à legalização do trabalho sexual na Alemanha, na Bélgica, na Holanda. Anda pelo mundo a explicar que há mulheres que escolhem fazer trabalho sexual e a reclamar direitos para elas. Ainda em Setembro foi às Nações Unidas. Dizem-lhe: "Não é uma escolha, é uma falta de escolha." E ela insurge-se: "Alguém escolhe fazer limpezas? Todos temos falta de escolhas, mas vamos tomando decisões. Aqui, quando se fala em trabalhadoras do sexo, parece que há uma fila de homens à espera e que elas estão ali a aviar. Até as meninas que trabalham na rua podem dizer que não."

Dizer não

Vemos dizer "não" numa sexta-feira à noite, na esquina da Master Samuel com a Malmskillnad. Uma rapariga está sozinha, com o seu casaco de cabedal preto bem apertado, em cima de uns tacões, a olhar para os carros que passam para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda.

Um carro antigo, cinzento, passa por ela. Sobe a Master Samuel, desce-a, vira para a Malmskillnad. Uma carrinha branca abranda, pára. A rapariga aproxima-se da porta direita. O homem, lá dentro, dobra-se sobre a caixa de mudanças. Trocam umas frases. A carrinha arranca.

O mesmo carro antigo, cinzento, torna a passar por ela, a subir a Master Samuel, a descê-la, a virar para a Malmskillnad. Outro topo de gama abranda, pára. E ela torna a não entrar. Entra um quarto de hora depois num carro modesto.

O idoso do carro antigo, cinzento, dá mais umas voltas. Há uma hora que dá voltas ao quarteirão de prédios altos, altíssimos, morada de vários bancos. Talvez daqui a uma hora encontre quem lhe venda o que quer comprar. São dez da noite. As raparigas trabalham mais entre as 11 da noite e as três da manhã.

Terá sido marcado? Um par de inspectores pode estar num carro descaracterizado a observar quem passa para baixo e para cima, para a direita e para a esquerda. Também pode ter seguido o carro que recolheu a rapariga. E surpreendê-la mal o acto sexual comece - numa zona verde ou num parque de estacionamento. Ou um pouco antes - quando o homem abrir a porta do quarto ou do apartamento.

Este trabalho pode ser entediante, confessa, numa outra noite, longe daquele quarteirão, Erik Hillergard, um rapaz alto, corpulento, que faz acções encobertas. "Usamos a nossa intelligence para perceber que grupos [de tráfico e/ou prostituição] estão activos. Quando os localizamos, seguimos os movimentos. Construímos um caso para o Ministério Público."

Para exemplificar, Jonas Trolle recorre a imagens vídeo: uma rapariga sai de casa sem casaco, apesar de ser Novembro; entra num táxi. No quarto de hotel, esperam-na elementos da polícia e dos serviços sociais. Tem 16 anos. A polícia resgata-a de imediato. Perante o seu desaparecimento, o taxista fica perdido. Ouvem-no ao telefone: "O que aconteceu? O que aconteceu? Estará morta?"

Muitas não querem colaborar com a Justiça. "Algumas estão habituadas a ser prostitutas no país delas", nota a procuradora-geral adjunta Lise Tamm. "Algumas são muito novas. Não confiam em adultos. Não confiam nas autoridades. Vêm de países com polícia corrupta. Não entendem que queremos ajudar. Para elas, os chulos são amigos. Tratam-nas mal, mas levam-nas ao cinema e elas nunca tinham ido ao cinema."

Poucos casos chegam aos tribunais. Não é fácil fazer a prova. Há golpes de sorte. Lise lembra-se de um traficante que não confiava numa rapariga e a obrigava a anotar os serviços. "Estava tudo escrito. Ganhou mais de 100 mil euros em três semanas." Esse traficante explorava raparigas da Estónia e da Lituânia. "As da Lituânia não estavam a receber, as da Estónia recebiam 25% dos lucros. Era um caso violento. O mais comum é receberem 50%."

Pelos cálculos de Patrik Cederlof, coordenador nacional para a prostituição e para o tráfico de seres humanos, todos os anos o país lida com 400 a 600 vítimas de tráfico. "É muito difícil saber ao certo." São, sobretudo, mulheres da Europa central. Amiúde, estão em trânsito. Vêm da Finlândia ou da Dinamarca, ficam umas semanas, partem para a Noruega, para a Islândia.

A Suécia sofre menos tráfico humano para exploração sexual do que a vizinhança. Apregoa que é por causa do seu modelo, que funciona como um escudo, que torna o país menos atractivo para os traficantes. A Noruega e a Islândia ficaram tão convencidas que a copiaram; a Finlândia inspirou-se - só criminaliza quem compra sexo a vítimas de tráfico.

Agora, o país pergunta-se até onde será possível ir na redução da procura de sexo comercial. E responsáveis como Patrik querem ir além fronteiras: "Há uns anos, a primeira viagem dos jovens era para estudar línguas em Inglaterra. Agora, rapazes de 18 anos vão, em grupo, duas semanas para a Tailândia. Lá é legal comprar sexo. Isso pode ser um problema quando voltarem. Já ultrapassaram o limite. Será fácil voltarem a fazê-lo..."

A preocupação com as vítimas é que não ambiciona ir tão longe. Nem todas as mulheres resgatadas pela polícia querem regressar ao país de origem. "As que conhecemos dizem que não têm razões para isso", conta Eva Goransson, directora da residência temporária para vítimas de tráfico, um equipamento gerido pelo Exército de Salvação. "Têm famílias pobres e disfuncionais. Querem recomeçar a vida aqui. Nós tentamos ajudá-las. Se estão a colaborar com uma investigação policial, há mais apoio. Se não estão, é muito difícil." As autoridades ordenam-lhes que abandonem o país. Eva conhece nigerianas que foram deportadas para Itália ou Espanha, o país que lhes serviu de entrada no Espaço Schengen. "Para quê? Para serem traficadas outra vez?"

O P2 viajou a convite do Instituto Sueco

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