A manifestação que é um teste à democracia portuguesa

Não é um protesto de uma geração enrascada, são vozes indignadas de gerações inteiras. O movimento mundial está marcado para sábado

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Bandeiras do 12 de Março ainda se mantêm, porventura até mais acentuadas, diz Carlos Jalali Paulo Pimenta

São desempregados ou mal remunerados, falsos recibos verdes, contratados a prazo, trabalhadores intermitentes e estagiários eternos, trabalhadores-estudantes e estudantes que não conseguem ser trabalhadores. São filhos, pais, às vezes avós. Apagaram-lhes a luz ao fundo do túnel.

A etiqueta “geração à rasca”, com a qual se saiu às ruas na manifestação de 12 de Março, não chega. Percebeu-se isso naquele dia, quando se falou de 300 mil pessoas nas ruas de Lisboa, de 80 mil nas do Porto. Era um país de gente enlutada, enrascada, de futuros hipotecados.

Passaram sete meses. Sócrates já não é primeiro-ministro e não se fala de PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento). Os portugueses foram chamados a contas e escolheram: Passos Coelho assumiu o poder e a troika entrou no país.

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A manifestação dos indignados não é um acontecimento nacional

Da "geração à rasca" aos "indignados"

Mas as manifestações não calaram. Mudou-se a etiqueta – em vez de “geração à rasca”, chamam-lhes “indignados” – e passou a ser uma questão global. Amanhã, 82 países e 951 cidades (o número não pára de subir) vão sair às ruas, informa o site “United for Global Change”.

Contexto social não se alterou desde 12 de Março, diz o politólogo Carlos Jalali

Em Portugal, o contexto social “não sofreu uma alteração radical”: “As medidas que estão agora a ser implementadas vêm com a justificação do pacote de resgate e do acordo com a troika, que não existia no 12 de Março, mas na prática não há diferenças sociais”, analisa o politógo Carlos Jalali.

As bandeiras do 12 de Março – luta contra a precariedade, a falta de oportunidades, o mercado saturado – mantêm-se, “porventura até mais acentuadas”. E é também por isso que Carlos Jalali está expectante para saber o que acontecerá sábado.

Para ele, esta manifestação será um teste à saúde da democracia: se as pessoas saírem à rua, significa que continuam a acreditar que a opinião delas conta. O politólogo diz isto apesar de uma convicção assumida: “Se fosse feita uma sondagem às pessoas que estiveram no 12 de Março para que dissessem se achavam que o que tinham feito tinha surtido efeito, ficaria surpreendido se a resposta fosse sim”.

Impacto "improvável"

Paula Gil contraria: “Vale sempre a pena, estes momentos servem, pelo menos, para despertar consciências”. A jovem de 26 anos foi uma das quatro pessoas que estiveram na origem do 12 de Março. Será um das que estará no 15 de Outubro.

Não há comparação entre as duas manifestações. Há uma envolvência mais "profissional" no 15 de Outubro que não fez parte do 12 de Março. Razões para protestar? "São ainda mais", diz Paula Gil. "Cada vez há mais medidas de austeridade, isto é um crime económico contra a humanidade". 

A curto prazo, analisa Carlos Jalali, é “improvável” que esta manifestação tenha algum impacto no rumo das políticas governamentais. O discurso de “inevitabilidade” do Governo “não abre portas a quaisquer cedências”, justifica.

Por isso, a grande questão será perceber até que ponto, “a médio ou longo prazo, o sistema política consegue incorporar estas preferências”. Paula Gil está optimista: “Esse discurso da inevitabilidade, de tão repetido, tem tendência a tornar-se verdade absoluta. Mas acredito que as ruas vão voltar a encher”.

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