O discurso europeu que faltava

O Presidente falou de forma clara sobre os desafios que a Europa enfrenta e o que está em jogo para Portugal

Cavaco Silva costuma ser elíptico quando fala em Portugal para os portugueses. Ontem, pôs de lado qualquer reserva ou ambiguidade para falar da crise europeia, perante uma audiência de académicos do Instituto Europeu de Florença. Não foi tanto a dureza com que criticou a gestão da crise do euro, apontando o dedo a Angela Merkel e a Nicolas Sarkozy, um "directório" que apenas tem ajudado a alimentar a desconfiança e a incerteza entre os governos europeus e nos mercados. Foi sobretudo por ter apresentado - aos portugueses - uma visão global desta crise, das suas origens, dos seus responsáveis, que não moram apenas em Lisboa, Atenas ou Dublin, e das decisões necessárias para superá-la. Que não dependem apenas do grau de sacrifício que os portugueses, gregos ou irlandeses estiverem dispostos a suportar, mas das soluções que a própria União tem de tomar com carácter de urgência, incluindo uma dimensão de crescimento que torne a austeridade suportável. E isto faz, naturalmente, toda a diferença.

Cavaco fala do que sabe. Ele próprio negociou o Tratado de Maastricht, que consagrou a união monetária. Mas fala também da experiência que adquiriu durante os anos que esteve sentado à mesa do Conselho Europeu. É verdade que hoje a Europa já não é o que era no seu tempo. É maior, mais complexa, integrada num mundo que mudou radicalmente. Mas uma das coisas que o Presidente aprendeu foi que países como Portugal, mais frágeis e mais periféricos, têm tudo a ganhar com o reforço das instituições comunitárias e tudo a perder com a sua marginalização. Talvez por isso o seu alerta mais veemente seja contra o risco de o poder de decisão ficar apenas nas mãos dos estados membros - sobretudo dos mais poderosos. Este é o segundo mérito do seu discurso.

A difícil arte de racionalizar

Oministro da Defesa, José Pedro Aguiar Branco, anunciou ontem que o processo para a constituição de um hospital único das Forças Armadas vai arrancar em Janeiro. O futuro Campus de Saúde Militar ficará instalado no actual Hospital da Força Aérea, no Lumiar, e porá fim à dispersão dos serviços de saúde militar por hospitais dos três ramos das Forças Armadas: quatro do Exército, um da Força Aérea e outro da Marinha (este último deixou de funcionar em 2010). É uma medida elementar no plano da racionalização de recursos e que estava prevista na Lei de Bases das Forças Armadas, aprovada em 2009. Seguiu-se a constituição de um grupo de trabalho, em 2010, mas o processo decorreu sempre sob forte contestação das chefias militares, que defendiam o status quo. É uma história onde se sucedem as divergências sobre a organização dos serviços ou as acusações de "canibalização" entre os vários ramos. Não terá sido fácil alcançar o consenso entre as chefias militares. Mas o que fica demonstrado nesta história é como, em Portugal, as instituições têm sempre dificuldade em acomodar os seus interesses específicos ao interesse geral. Racionalizar é uma arte difícil.

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