Vice-primeiro-ministro egípcio deixa Governo por causa de violência

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Morreram 17 pessoas no domingo

Médico legista confirma que manifestantes foram esmagados por veículos. Detidos 28 suspeitos de ataques a militares

Chegou a ser noticiada a demissão em bloco do Governo egípcio. Mas confirmada, até ao final da tarde de ontem, só estava a saída do vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Hazem Beblawi, em protesto contra os confrontos que, no domingo, provocaram 25 mortos e mais de 300 feridos no Cairo.

"Não há talvez responsabilidade directa do Governo no que sucedeu, mas a responsabilidade é sua no final", declarou. Para Hazem Beblawi, citado pelas agências noticiosas, a violência "abalou a segurança da sociedade". Nomeado em Julho, o vice-primeiro-ministro não chegou a estar três meses em funções.

Depois de conhecido o abandono de Beblawi, a televisão árabe Al Jazira avançou a notícia da demissão em bloco do Governo, mas a informação foi imediatamente negada, quer por um porta-voz do executivo, quer por fonte do Exército citados pela Reuters.

Governo e militares continuavam ontem sob fortes críticas devido aos mais graves confrontos desde a queda de Hosni Mubarak, a 11 de Fevereiro. A violência de domingo, que vitimou principalmente cristãos coptas, seguiu-se a uma manifestação pacífica deste grupo minoritário contra o incêndio de uma igreja em Assuão, no Sul.

Os confrontos fizeram regressar os receios de um agravamento de tensões que ponha em causa o delicado processo de transição política. Na catedral do Cairo, milhares de pessoas assistiram segunda-feira à noite aos funerais de 17 manifestantes mortos.

Vários jornais e partidos defendiam ontem que o primeiro-ministro, Essam Charaf, frequentemente criticado por falta de autoridade, deve demitir-se. "O Estado perdeu a sua estatura, o regime está à beira do colapso, o Governo Charaf perdeu credibilidade. Tudo o que resta ao primeiro-ministro é partir", escreveu na primeira página o influente diário independente Masri al-Youm, citado pela AFP.

Para além do Governo, está em causa o Exército, cuja contenção foi aplaudida no processo que levou à queda de Mubarak, mas agora é contestado. O executivo ocupa-se da gestão corrente, mas a transição - que deve passar pelas eleições previstas para o final de Novembro - está, de facto, a ser conduzida pelos militares.

Os confrontos, a forma como começaram e quem deu ordem para carregar sobre os manifestantes são questões por esclarecer. Carros militares foram vistos a avançar sobre os manifestantes e um dos médicos legistas que fizeram autópsias disse a uma televisão egípcia que dez dos 17 corpos que observou foram esmagados por veículos.

Após uma reunião de crise, o Conselho Supremo das Forças Armadas denunciou os "esforços de alguns para destruir os pilares do Estado e semear o caos". Já ontem, os órgãos de comunicação do Estado noticiaram a detenção pela Justiça militar de 28 civis suspeitos de atacarem soldados e incendiarem veículos militares, na noite dos confrontos.

O primeiro-ministro, citado ontem pelo diário Le Monde, referiu-se a um "complot para afastar o Egipto de eleições" e falou em "mão escondida por trás dos acontecimentos", mas não foi mais longe nas afirmações.

Shahinaz Abdel Salam, bloguer egípcia, que acaba de editar em Paris o livro Egypte, les débuts de la liberté, citada pelo jornal, considera que "o Conselho Militar não faz nada para acalmar a situação. Quer mudar o regime mas manter as mesmas caras, o que equivale a roubar-nos a revolução. No fundo, joga a mesma carta que Mubarak, acenando com a ameaça do caos".

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos do Homem pediu que o inquérito à violência decorra de modo imparcial. O porta-voz, Ruppert Colville, apelou às autoridades para que "assegurem a protecção de todos, incluindo das minorias".

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