O escritor como pai de mil homens

Valter Hugo Mãe cria personagens memoráveis em “O filho de mil homens”, o seu mais recente romance

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Emanuel Madalena DR

Valter Hugo Mãe revê-se em Crisóstomo, o personagem principal de “O filho de mil homens” – têm ambos 40 anos e sentem tristeza por não terem tido um filho. Talvez seja devido a esta falta que surja a vontade de criar pessoas tão “reais” como as que habitam os livros de Hugo Mãe. Um escritor pode assim ser pai de mil homens e mil mulheres, imaginando-os como Crisóstomo imagina um filho em Camilo.

Depois de uma tetralogia em que cada romance acompanha uma fase da vida – a infância em “o nosso reino” (2004), a passagem à idade adulta em “o remorso de baltasar serapião” (2006, vencedor do prémio literário José Saramago), a meia-idade em “o apocalipse dos trabalhadores” (2008), e a velhice em “a máquina de fazer espanhóis” (2010) – Valter Hugo Mãe surge agora com “O filho de mil homens”, um livro que tem sido apresentado como o início de uma nova fase na sua produção literária.

O abandono do uso exclusivo de minúsculas foi amplamente anunciado, mas rapidamente se percebe que tudo o resto – no estilo e no conteúdo - que marca a escrita do autor permanece inalterado. Felizmente.

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O novo livro de Valter Hugo Mãe chegou às livrarias em Setembro Adriano Miranda

“O filho de mil homens” é um romance realista que aposta na construção sólida de personagens apaixonantes, não desmentindo o lugar de Valter Hugo Mãe entre os mais relevantes escritores portugueses da actualidade.

Porque deves ler este livro?

Este romance aborda – e até, de certa forma, sintetiza – os temas presentes na tetralogia inaugural do autor. É uma narrativa que não tem medo de nos confrontar com a crueldade e a miséria da condição humana, embora de forma mais subtil do que no arrebatador “o remorso de baltasar serapião”. No entanto, é também um livro que acredita na felicidade como algo que se constrói de acordo com a vontade e as possibilidades de cada um.

Valter Hugo Mãe escreve sempre sem planos nem ideias preestabelecidas sobre o rumo dos romances. Desta forma, embora sacrifique um pouco a estrutura, consegue construir uma narrativa rica, assente nos personagens que cria e nas vidas que lhes inventa.

Assim, vais encontrar pessoas que quase podes acreditar serem “de carne e osso”, como o Crisóstomo e o Camilo - pai e filho adotados um pelo outro, no sonho de terem uma família e resgatarem a sua vida à infelicidade – numa história sensível e envolvente.

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